penso o que tanta gente pensa
e quem pensa que assim não pensa
vê recompensa na diferença
e com indiferença
pensa que só ele pensa
crença de quem diz que pensa
porque dispensa o que o outro pensa
não repensa nenhuma sentença
propensa discussão à ofensa
tensa
nasce assim a doença
desavença
às vezes converso comigo
discuto eloquente grito
berro quase demente
convenço persigo
mas paro
escuto vejo
relevo respiro
melhor não fazer-me inimigo
é tanto ego que às vezes sinto
que sinto que fico um tanto cego
e não sigo o que sinto
mas sem sentir não consigo
então pressinto e nego
e o ego
renego
Tanta coisa em mim morreu
enterrei sem choro nem vela
sem oração na capela
sem velório, ninguém apareceu
Tanta coisa em mim morreu
que alimentou a terra
fez brotar a nora era
e algo novo floresceu
Tanta coisa em mim morreu
que no clarear do novo dia
aquilo que não parecia
sem demora aconteceu
Tanta coisa em mim morreu
tudo o que me sobrou
transformou esse que sou
e meu novo eu nasceu
O inconsciente furtou
um objeto
da estante
Sou grato
A noite sem cógnitos
é branda
talvez eu
até
durma
Se minhas guerras
sou eu quem as crio
por que não as venço?
Talvez porque as armas
da qual preciso
nunca as penso
Entrincheirado e atento
avanço mais uma linha
inimiga
que invento
Minha
guerra nunca terá
(um) fim
Assim
no chão
a sombra
a me seguir
Assombração
As sombras são
assim
a me seguir
como um cão
No chão
No inconsciente
Minhas madrugadas tem sido de poesia a distância
álcool
solidão
e um sono que não é meu
Gosto da escuridão
cega meus olhos
e não vejo as fotos
livros
discos
e uma porção de objetos
que me lembram uma porção de coisas
que não estão mais próximas de mim
A noite calada me vela
e minha cabeça a mil me afoga
Quando olhar para a noite
lembre-se de que não está só.
Em minhas noites de nada
Arregalo os olhos na escuridão
Para olhar em paz
Não enxergando objetos que me lembram coisas
Que não tenho mais próximas
Meio ao álcool, à solidão e demônios
Durmo um sono que não é meu
É só do corpo
Sentindo-me velado por olhares imaginários
Carpideiras ácidas que choram o lixo do homem e me beijam sorrindo
Os pregos da minha cama de pregos
Já não têm mais pontas
Rolei tanto sobre elas que gastaram
Sinto falta das ranhuras que me faziam no âmago
Sentia dó de mim quando via meu sangue
Gotejado pelo lençol
Pelo chão frio
Em restos de roupas que nem uso mais
E essa dó me fazia parecer humano
A noite é algo que existe em mim
Porque mesmo de dia ela me aparece.
Em silêncio
Na noite
Eu bicho estranho e selvagem
Luto contra o nada
Um nada gigantesco que carrego
Que parece que vai me esmagar
Mas que venço sempre
Pois só isto a fazer:
Lutar
Vencer
Viver.
Para amenizar minha loucura
Fiz um 10 nas costas da camisa de força
E agora quando tenho surtos
Só marco gols de placa!
Lá para umas três horas da manhã acordei com uma porção de sensações ruins. Primeiro a minha visão estava meio distorcida, as poucas luzes que permanecem acesas durante o escuro (da noite), como por exemplo, o ponto vermelho que fica aceso ao lado do botão (on/off) da televisão, parecia traçar um risco no ar, conforme eu movimentava a cabeça. Também senti uma sensação de tontura, mas o que mesmo me deixou apavorado foi à impressão de que algo ruim poderia me acontecer. Me senti perdido, transtornado, parecia que algo ia me acontecer, ou que eu faria algo ruim, sei lá, nunca me senti tão sufocado. Incessantemente repetia comigo mesmo “você está bem, você não tem nada”, alternava essas afirmações com a minha oração: “paz, harmonia e equilíbrio, governam minha mente em todas as ocasiões”. Senti uma desinteira, fui ao banheiro e resolvi essa necessidade fisiológica, mas durante o ato meu corpo começou a ficar gelado e trêmulo, fiquei apreensivo, terminei logo e voltei para o quarto, sentido meu corpo ainda frio e tendo as mesmas sensações ruins. Tentei me acalmar, sentei na cama respirando fundo e pensando em minhas pequenas orações. Li as passagens da bíblia sugeridas pelo meu amigo Fabio (Mateus Cap. 11 – 28,29 e 30), o fardo é leve, nossa cabeça é que fazem as coisas ficarem estranhas.
Nunca tive uma posição formada sobre Deus, e não acredito nessa formatação que deram-no, mas sempre acreditei que existe algo maior do que tudo isso, algo mais forte e bom, que rege toda essa coisa que chamamos de vida. A atual ordem social nos afastou do bem, nos distanciou de nós mesmos. Hoje tudo gira em torno do material, do acumulo sem fim... e sem nexo também, já que dessa vida nada se leva. Se Deus nos fez sua imagem e semelhança, talvez ler as palavras contidas na bíblia seja uma forma de olharmos para nós, para o bem que há dentro de nós.
Minhas dores são reações psicossomáticas originadas dos meus conflitos internos que se deram durante toda minha existência e que agora estão emergindo do subconsciente e me atrapalhando... ou talvez não (meus ouvidos estão zunindo agora) talvez essas reações sejam um aviso, um alerta (algo assim) de que é preciso seguir um caminho, é preciso ter um “norte”.
O homem é um animal simbólico, precisa dos signos para “sobreviver”. Acho que minhas leituras de filosofia, sociologia, psicologia... me fizeram entender demais como o mundo funciona. Fui aos poucos me desapegando dos símbolos e meu ceticismo, que já era grande, foi ficando maior. Compreender como as “coisas” funcionam é um perigo! Talvez essa seja a grande “maçã”, o verdadeiro fruto proibido, o conhecimento (uns dos passarinhos cantou agora – 04:55hs).
Esse é o grande simbolismo do mito do paraíso, o fruto proibido, o conhecimento é realmente um perigo, tem que saber lhe dar com ele. Adão e Eva após comerem o fruto, viram que estavam nus e sentiram vergonha (o passarinho cantou mais uma vez, só que agora foi mais longo – 05hs). O conhecimento nos mostra o quanto estamos nus.
Tentei chorar para aliviar a dor e as sensações ruins, mas não consegui derramar uma lágrima... Escrever ajudou a aliviar. Quero dormir, mas ainda tenho receio, não quero que essas sensações ruins voltem. Sei que elas talvez não voltem, mas essa sensação é totalmente nova para mim, e é horrível, a ponto de me deixar com medo de deitar.
O dia está nascendo (meu irmão chegou, que bom!). Kafka disse que a hora mais perigosa do dia é a hora de acordar, mas discordo dele, acho que a pior hora do dia é a hora de deitar-se, porque você nunca sabe o que pode te assombrar durante a noite.
OBS: Esse texto foi escrito sobre o efeito dos remédios Cloridato de Paroxetina 20mg e Apraz 0,5mg - prescritos pelo médico.
Rapaz
Apraz
Assaz
Audaz
Sagaz
Atrás
Da Paz
Antraz
Atroz
Fugaz
Putrefaz... Jaz
Rapaz
Vivaz
Perspicaz
Pertinaz
Praz
A pressão que meu peito sofre já não me põe mais medo, pois sei que o que sinto não é gerado por uma disfunção corpórea, é ardor puro: um aviso do inconsciente de que meu ser não é aquele e nem aquilo que parece, e é também um aviso de que preciso morrer! Minha interminável guerra arquetípica chega a ser injusta são muitos contra um que nem sabe mesmo o que é e, pior, nem se virá a ser algo. Barbeando-me vi que o creme formou um risco em meu pescoço como que se marcasse o local a ser atingido. Fiquei olhando agoniado à espuma escorrendo como se fosse sangue... Alguém ali, bem de frente ao mentiroso espelho ia degola-me sumariamente, mas num ato corajoso repousei confiante a assassina navalha na mórbida e necrotérica pia branca e momentaneamente tranqüilo assisti a um deles findar de forma súbita. Sorrindo pensei “ganhei uma batalha” apesar de saber que o que preciso mesmo é morrer, e logo. Não vejo mais sentido no ato de sentar-se ao vaso porque meus verdadeiros excrementos realmente nunca desceram pela sua goela abaixo. A privada é uma ilusão. Pareço um enfezado filtro: ingiro imundices expilo porcarias e as incômodas e verdadeiras nojeiras cancerígenas ficam alojadas incubadas no âmago remoendo-se e moendo-me para que depois quando regurgitadas façam-me parecer um encabrestado animal ruminante. Não quis passar o desodorante aquilo é uma maldita armadilha sulfúrica que queima-me todas às vezes que a uso, extingui meu natural e marginalizado cheiro, meu corpo é violentamente surrado pelos químicos disfarçados. Cansei de me auto-flagelar. Não podia mais permanecer ali e fiquei apreensivo pela consciência de saber que ao sair do banheiro alguém entocado me apunhalaria pelas costas e mesmo sobrevivendo ao ataque o combate continuaria com outro, outro, outro... Há um exército psíquico a minha espreita e os generais dessas tropas carniceiras alimentam minhas internas pragas ratos baratas um monte de outras pestes que foram todas plantadas regadas cuidadosamente semeadas para que eu me mantenha um infeliz derrotado e neurótico. Tática eficaz e ilícita essa, mas vou vencê-los e para isso preciso morrer, e rápido. Tomei fôlego e corri em direção ao quarto, mas quando meu passo quente tocou no piso frio meu corpo inteiro tremeu baqueado e a reverberação produzida no corredor zuniu aguda em meus ouvidos aturdindo-me, focado ainda segui cambaleante até cair sobre o ríspido carpete da câmara fúnebre, veloz recuperei-me audaz e bravio ergui o rosto avistando a monstruosa montanha de vinil negro que havia a minha frente: um cemitério de vozes mortas; impactado e assustado recuei batendo as costas contra uma muralha de livros velhos e falastrões empoeirados que há anos ignoro; acuado gélido suei vendo com os olhos arregalados as centenas de mãos que saiam de objetos cognitivos agarrarem uma porção de outras mãos que imergiam de minhas entranhas e fui debatendo-me contra elas até chocar-me numa urna vertical imensa e sombria que revelou ao abrir as portas uma série de peles inumanas todas mofadas apodrecidas com os nomes de seus algozes marcados a ferro, elas saltaram e rastejando tentaram subir pelas minhas pernas, me defendi chutando-as para longe, desequilibrado em meio aos pontapés cai sobre cama e senti meu estomago encolher repugnado amargando minha boca só de imaginar quantas autópsias minhas já foram feitas sobre aquela sádica mesa cirúrgica, quantas... Cansei de ser o divino animal terrestre que se nega a ser o que é. Vou morrer e vencer-los e vai ser agora! Sem medo do que poderia vir a acontecer levantei-me e quebrei tudo o que vi pela frente, precisava desmembrá-los desarticulá-los espedaçá-los torná-los amorfos não-cógnitos. Depois de horas espancando-os olhei em minha volta e quando tudo não me lembrava mais nada, agachei-me como um bicho faminto e comecei a comer a salada de farrapos que se formou aos meus pés. Comi até vomitar e quando vomitei comecei a comer de novo e fiz isso até que os restos gástricos misturados a minha saliva formassem uma massa grudenta e densa, quando isso aconteceu, com ela construí meu sepulcro... Acasulado batráquio, morri.
Algum tempo depois foram encontrados no cômodo apenas cacos apodrecidos do que aparentava ser um grande invólucro. Ninguém nunca mais foi visto no local.
Poema inspirado nesse conto: Se não é que já estou morto.
"nós somos muito mais o que os outros acham que somos, do que aquilo que pensamos ser"
Dizem que a vida imita a arte... ou é a arte que imita a vida? Dizem... Ou será que vida e arte são coisas que se completam, contemplam-se e fundem-se, paralelas que passam a infinidade se cruzando, imitando-se? Vida, arte e teatro: sinônimos, não legalizados pela burocrática língua.
Acordo Eu, levanto filho, embarco passageiro, caminho transeunte, atravesso na faixa, sigo colaborador, atento estudante, pai, amigo, irmão, namorado, ator social que protagoniza e coadjuva ao mesmo tempo diversos papéis ao lado duma infinidade de outros. Genuflexório mudo atento me faz cristão. No carnaval, desfilando entre outros tantos outros, sou pierrô pagão. Tributo pago no balcão, duplicata em caixa, sou cidadão. Jungnianas personas que eclodem em meio a pensativos monólogos shakespearianos, sou pessoa, sou-me. Frente ao machadiano espelho, só, sou ninguém. Nada. Meu teatro é a vida encenada sem ensaio, sem roteiro, sem frases prontas e, pior, sem deixas, sem saber a hora certa de entrar em cena. Subjetivado réu, frente à platéia social, sou muitos, entre culpado e inocente.
O teatro é o oxigênio. É o oxigênio contido na água. É o oxigênio contido na água contida no aquário. É o oxigênio contido na água contida no aquário onde vive o peixe, que é dourado. É o oxigênio da água que mantém o dourado peixe vivo. O peixe vivo que vive no seu aquário-palco uma representação de ser: ser peixe dourado de estimação. O estimado peixe-ator, que desfila dourado em seu palco-aquário, repleto de pedrinhas coloridas e outros objetos de cena, representando para outro ser, enche de alegria e sentido a tola existência tediosa cotidiana de seu dono-platéia. Cercado de água contida de oxigênio-teatro, respira, alimenta-se, vive e representa o peixe-ator, dando sentido a feliz razão de ser ao seu dono-platéia, contemplando-o, com a arte de ser dourado.
O teatro é a mentira ensaiada. É a mentira que não fere. É a mentira gostosa de se ver e viver. E viver uma mentira que se gosta é viver uma verdade. O teatro é a verdade, que não passa de uma mentira ensaiada. Mentira que não fere. Que é gostosa de se ver e viver, porque ver e viver a verdade é bom, faz bem.
O teatro-vida é complicado. O choro sem ensaio dói. É um choro que punge verdadeiro, e que às vezes torcemos para que essa verdade seja uma mentira ensaiada. A mentira sem ensaio dói, fere. No teatro-vida, os aplausos são minguados, há mais apupos que tudo, decorrentes de sentimentos esmigalhados e poluídos no dia-a-dia pela ausência de amor... e ausência essa que, na maioria das vezes, erroneamente, é preenchida de matéria. As vezes é preciso deixar o teatro-vida de lado, descer do palco-mundo, despir-se do ator social que somos e sentar-se junto a platéia do teatro-arte, deixar o sonho fluir com a mentira ensaiada, cheia de calorosa verdade verdadeira, que transforma o choro-verdade que fere, em riso alegre que acolhe, meio a real sensação coletiva de felicidade. Na platéia do teatro-arte todos atuam com o papel de olhar e sentir. E eu, ator social destituído, quando desço do palco-mundo para ver atento o teatro-arte, que não só imita a vida, mas vai além dela, sinto uma alegria transcendente, que transborda o ser, e torço para que meu teatro-vida caminhe no mesmo sentido verdadeiro da representação que não fere. Vivendo esse coletivo momento feliz, farei de tudo para que no decorrer da minha peça, atuada no palco-mundo do teatro-vida, conquiste o doce beijo molhado infinito da suave e aveludada feminina boca desejada. E após o ato final, ao fecharem-se as cortinas e as luzes se acenderem, e ascenderem-me, eu receba e sinta os calorosos, acolhedores e recompensadores aplausos da platéia.
Texto publicado no blog Teatraria e no site do Itaú Cultural.
Acho que todos nós aprendemos isto desde criança: nunca deseje aos outros o que você não quer que lhe aconteça. Ou, pelo menos, algo parecido com isso... Ou nessa mesma linha. Mas uma coisa é certa: o bem é algo a ser ensinado; a virtude é algo a ser ensinada. E muitas vezes quem nos ensina isso é a experiência.
Segundo psicanalistas (Jung é pai desta teoria), todos nós carregamos em nosso inconsciente um arquétipo chamado sombra, que é responsável pelos nossos atos (pensamentos) violentos e, socialmente, inaceitáveis. A sombra é o lado “primitivo” do homem, que foi gradativamente, durante todo seu processo de “evolução”, sendo reprimida no inconsciente através dum processo social de “educação” (adestramento) que sofremos durante todo o decorrer de nossa história. De vez em quando ela da às caras. Nos momentos em que explodimos numa fúria cega, é ela, nossa amiguinha, que bota lenha na fogueira. O Self, arquétipo responsável pelo “equilíbrio” do inconsciente, é quem da uma “segurada de onda”, canalizando essa violenta energia para outros arquétipos, aliviando-nos, e afundando no sub, cada vez mais, a sombra.
Somos naturalmente violentos, mas, ainda bem, que inventamos o Bem, que nunca é absoluto, mas que faz com que pensamos que há algo sublime a alcançar, e isso nos ajuda a esquecer que temos esse tipo “ruim” de natureza. Mas, tudo bem, não é para falar sobre isso que escrevi este, e sim para contar uma história que vivi e que tem tudo a ver com o título deste acima.
Amigo secreto, essa brincadeira (pé no saco) que se faz, geralmente, em final de ano, onde um grupo de pessoas escreve seus nomes em pedacinhos de papel e depois sorteiam os papelotes (no bom sentido) entre si, não participei de muitas, mas fiz parte de uma que me deu uma boa lição.
Participei duma dessas brincadeiras na época de colégio. O combinado foi que, ao invés de comprarmos presentes mais tradicionais, como roupas, discos (na época), essas coisas assim, presentear-nos-íamos com chocolate. Poderia ser em barra, caixa de bombom, etc.. Não me recordo do nome na menina que tirei no sorteio, mas lembro que beleza não era sua maior virtude... Para ela, comprei uma barra dessas grandonas, recheada com pedacinhos de amendoim. Não lembro o nome, nem marca, de tal guloseima, recordo somente que vinha numa embalagem de papel de cor amarela e tinha um nome curto escrito em vermelho. Cursava no horário vespertino, e entrava na aula próximo ás 13hs. Sai naquela tarde, visualmente corriqueira: ônibus passando, os botecos abertos, grupos de pré-adolescentes uniformizados com avental branco, seguindo em direção a instituição de ensino estatal... Tarde que era diferenciada somente por ter como data o final da brincadeira. Segui pela rua e, ao dobrar a esquina, encontrei com um amigo meu de sala (amigo próximo meu até hoje), e logo iniciamos uma conversa sobre o acontecimento que estava por vir. Perguntou-me se já havia comprado o presente para meu secreto amigo, respondi que sim, o que era, mas não revelei seu nome. Ele comentou que ainda não havia comprado seu presente, e que passaria, antes da aula, no mercadinho que ficava (ainda fica) na esquina posterior a do colégio. Fomos juntos. Chegando lá havia muitas opções de presente, o que gerou certa dúvida do que comprar. Pediu minha ajuda (opinião), e acabou decidindo por uma entre duas caixas de bombons. Uma das caixas continha um número maior de unidades, acho que trinta, ou algo perto disso, mas por isso tinha preço mais alto. A outra, a escolhida, tinha um número menor de unidades, dezesseis bombons, mas o principal atrativo, segundo meu ponto de vista, era que o preço acompanhava essa redução quantitativa.
Então perguntou para mim:
- E ai André, qual das duas você acha que devo comprar?
- A mais barata, claro! – Respondi “na lata”.
- Mas a outra não está tão mais cara assim. E, pela quantidade de bombons que vem na caixa, acho que o preço compensa. – Disse com visível empatia pelo amigo que seria futuramente presenteado.
- Tanto faz. O que importa é que você entregará o presente. E, melhor ainda, vai lhe sobrar uma grana! E o cara, esse, nem vai saber mesmo... – Respondi com total indiferença.
- Ah, então vai essa mesmo. – Seguimos para o colégio.
Chegamos à sala, todos já eufóricos para saber quem foi quem que tirou quem, quem que ganhou o que, quem ganhou o que de quem... E assim foi até a professora chegar e dar início ao final do jogo misterioso. No começo é sempre o mesmo suspense: um vai até a frente da sala e começa a descrever seu amigo secreto, até descobrirem quem é, e nesse espaço de tempo todo mundo fica, é fulano, é cicrano... E, quase nunca, ninguém acerta. Chegou à vez desse meu amigo, e minha ansiedade aumentou, pois como eu instantes antes havia ajudado a decidir na escolha do presente, queria saber quem era o indivíduo a ser contemplado. Ele começou a descrevê-lo, dando risada. Ai a classe ria junto, e eu ria junto com a classe. Descrevia... Dava risada... A classe ria... E eu, ria junto com a classe... Com a caixa na mão, chegada à hora de falar o nome do agraciado, olhou para mim e riu...
Adivinhem quem ele tirou!
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Álbum completo:
IRA! - Vivendo e não aprendendo
Para ler:
André Comte-Sponville - O pequeno tratado das grandes virtudes
Hoje a bebida foi proibida para todos os motoristas. Beber e dirigir agora é crime. Essa foi uma das medidas mais descaradas de demonstração do poder coercivo do Estado; não consegue educar, puni com mãos de ferro! A partir de hoje, qualquer cidadão de bem que beba uma misera latinha de cerveja, e logo após sair ao volante, se esse individuo for parado pela polícia, e obrigado a soprar o bafômetro, pode ser enquadrado como criminoso! Pode? Por que pode? Não é de certo que se tal individuo em eventual circunstância, aferida pelo aparelho, vá preso? Não, não é certeza. A lei é clara, mas ela fica sujeita a interpretação das autoridades competentes. Me diga então, para que serve uma lei que é sujeita a interpretação de alguém? O que vale então, a lei ou a interpretação da autoridade? Respondo: num país semi-alfabetizado, de leis dúbias e obscuras, como o Brasil, o que vale é a interpretação da autoridade! O pior disso tudo é que estamos sujeitos à interpretação de policiais que tem, no máximo, um diploma de segundo grau concluído pelo ensino público. Estamos fudidos...
Conheço muitos motoristas que bebem, e que, consequentemente a lei, se lamentam de não poderem mais dirigir após bebericar. Lamentam-se, não pela proibição em si, e sim por saberem que, talvez, nunca mais serão as pessoas que são quando estão alcoolizadas. A lei seca nos trancafiará dentro duma prisão inconsciente...
A Persona, essa sim ficou feliz, reinara plena pela consciência! Caminhara livre, negando-se e fingindo-se sempre ser o que lhe convém ser.
O casal Anima e Animus se manifestaram imperceptivelmente, sem dar muita bandeira. Como sempre.
A Sombra, essa, coitada, terá seus conteúdos manifestos em sonhos distorcidos, totalmente sem nexos, aliviando-se pouco-a-pouco, mas sempre insatisfatoriamente.
O Self... Aja força para equilibrar tanta vontade e desejo, dentro de um desequilíbrio atordoante.
A bebida, que depois de ingerida, liberava o conteúdo latente da mente, proibida agora, aprisiona os arquétipos, e condena todos a serem quem são.
Texto escrito em 22/06/08.
Ambientado em Viena do final do século XIX, o romance Quando Nietzsche Chorou, o primeiro do psicoterapeuta Dr. Irvin D. Yalom, conta de maneira ficcional, com personagens que realmente existiram, mas que, alguns deles, nunca se encontraram na vida real, o nascimento da psicanálise.
O fisiologista austríaco, o Dr. Josef Breuer (1842–1925), empolgado com a cura da paciente Anna O., através de um novo método de tratamento, a “terapia através da conversa”, aceita tratar o depressivo suicida amigo da jovem e belíssima russa Lou Salomé (1861–1937), o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). O filosofo já havia tentado anteriormente tratamento com dezenas de médicos, de toda a Europa, mas sua crise existencial parece ser uma barreira intransponível. O que acontece durante esse tratamento é uma relação na qual médico e paciente se confundem, pois o Dr. Breuer encontra na filosofia de Nietzsche respostas para seus conflitos internos, suas obsessivas fantasias sexuais com sua ex-paciente recém curada. Ele relata todo o tratamento para seu discípulo, o então jovem médico, e futuro pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939).
Literatura e ficção se fundem nesse romance cheio de personagens reais que transformaram e mudaram os rumos da humanidade.
YALOM, Irvin D..Quando Nietzsche chorou. Ediouro publicações. 24º edição. Rio de Janeiro.
Baixe para ler: Quando Nietzsche Chorou - Irvin D. Yalom
* Em 2007 o livro ganhou uma versão em filme: Quando Nietzsche Chorou (EUA, 2007) - Direção de Pinchas Perry.
“Tenho 16 anos e não sei como agir... Acostumei com os meninos do quarteirão que caçoavam de mim... Gostaria de ter namorados... Mas nenhum rapaz sairá comigo porque nasci sem nariz... Minha mãe chora quando olha para mim... Meu pai diz que talvez esteja sendo punida pelos pecados dele... Devo me suicidar?” (Trecho do livro Miss Lonelyhearts, de Nathanael West)
Apesar da carta acima fazer parte de um romance, uma ficção, ela poderia ter sido escrita por qualquer adolescente que tenha alguma deficiência física, uma estigma.
Erving Goffman (1922-82) faz um ensaio sobre todos os aspectos sociais que a estigma pode atingir; da forma como a sociedade influencia no comportamento do estigmatizado, levando-o a perda da identidade pessoal e ao comportamento destrutivo e anti-social.
O termo “estigma” foi criado na Grécia antiga para identificar, de maneira visual, com marcas feitas com fogo ou cortes no corpo, os escravos, criminosos ou traidores. Na Era Cristã foram acrescentados mais dois níveis de metáforas: sinais corporais de graça divina e sinais corporais de distúrbio físico. Hoje o termo está mais próximo ao sentido original, só que mais ligado à desgraça do que a evidências corporais.
Com a sociedade estabelecendo formas de categorizar as pessoas, criando modelos a serem seguidos, o individuo estigmatizado é deixado, cada vez mais, a margem social; bêbados, malandros, prostitutas, artistas, homossexuais, egressos, deficientes, mendigos, menores... O livro abre uma discussão muito importante: quem verdadeiramente é o marginal? O estigmatizado, que sofre o preconceito da sociedade, ou será ela mesma?
GOFFMAN, Erving. Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. LTC Editora. 4º Edição. Rio de Janeiro.
Baixe para ler: Estigma - Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.
Uma pequena explicação do “por que” que este blog chama-se MUNDO ID.
O fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), diplomado em medicina, iniciou sua carreira profissional como neurologista clínico em Viena. Mudou-se para a Fraça, onde iniciou seus estudos sobre as manifestações histéricas, com o médico clínico Jean-Martin Charcot. Voltou a Viena onde abriu uma clínica particular para cura de doenças nervosas, e elaborou sua teoria, hostilizada de início, mas depois reconhecida como válida. A psicanálise tornou-se um sistema para interpretar todos os aspectos da personalidade humana.
Segundo Freud, toda a ação humana tem sua origem de forma inconsciente. Lapsos de esquecimentos e incidentes nunca são casuais, são determinados por motivos inconscientes e fogem ao nosso controle racional (ato falho*). Nossa parte consciente pode ser comparada a ponta de um iceberg, e o inconsciente sua parte submersa, e essa última é constituída por pulsões sexuais (Eros) e agressivas (Thánatos). No início da vida predomina o princípio de prazer, pois a criança procura satisfazer todos os seus impulsos. Logo em seguida ela será influenciada pelo ambiente e pelos adultos genitores, que estabelecerão regras as quais ele deverá se adequar. Nasce ai o princípio de realidade. As normas (sociais) que determinam o que é certo e errado começarão a fazer parte do superego, fazendo a criança sentir-se culpada, quando desobedece alguma regra.
Freud dividiu a psique em:
Ego: parte consciente, que toma as decisões; parte racional.
Superego: parte dela é consciente e parte outra inconsciente; contém as normas e regras transmitidas na educação.
Inconsciente ou ID: é a parte desconhecida de cada um de nós; compreende os conteúdos sexuais, agressivos, emocionais e os sentimentos considerados negativos pela nossa cultura.
O inconsciente pode ser estudado, segundo Freud, pela análise dos sonhos**, por meio de associações livres. Alguém que, por exemplo, sonhou com uma montanha deve dizer tudo o que vem na mente sobre essa cena, sem exercer nenhum controle racional. Para ele o sonho é a expressão de uma necessidade, um desejo insatisfeito que emerge do nosso inconsciente, que tem seu conteúdo implícito, e o que recordamos é o conteúdo manifesto, nem sempre compreensível.
O MUNDO ID é uma manifestação consciente do inconsciente, através de palavras, imagens, músicas, livros, textos, filmes, vídeos, pictóricos, rascunhos, desenhos, documentos e afins, e que tem a intenção de discutir os mais variados assuntos de maneira direta ou não.
Baixe para ler:
*A psicopatologia da vida cotidiana – Sigmund Freud
**A interpretação dos sonhos – Sigmund Freud
Assista: Freud - Além da alma (EUA, 1962) Direção de John Huston
Referência Bibliográfica:
STROCCHI, Maria Cristina. Psicologia da Comunicação. Manual para o estudo da linguagem publicitária e das técnicas de vendas. Paulus. São Paulo. Cap 06. Pg 59-71.