Não há tristeza que não acabe
Não há amor que não a depure
A mão estendida sempre amiga
tem a dose certa do que a cure
Entre o exótico e o erótico
está o xis da questão:
um tipo que diferencia
a extravagância do tesão
A rosa agora muda
ante ao dedo em riste
descansa despetalada
Tristeza de quem assiste
Humano vilipêndio
em palavra pedra bruta
fez crescer o silêncio
no peso da lágrima purpura
O corpo sem casa, sem casca
de movimento lento...
E vida veloz!
O risco que deixa por onde passa:
brilho que fica pelo caminho
Num breve choro, se acaba
Sal lacrimal que a liquida
A lesma, de vida besta
consegue ser ela mesma
Observo na calçada o mendigo
que come feito um cão;
mas hoje o cão como feito um rei;
rei que ainda come feito um porco;
porco que come feito um mendigo
Em meio a esse banquete indigno
cheio de defeitos
perco a fome
Dentro do pecado
há uma PEC
Dentre os deputados
há vários pecados
Abaixo dos pecadores
tem o povo, no calvário
que nunca aprendeu
e que pagará pelos pecados
que ele mesmo elegeu
Eu, sem teto
sem terra para plantação
com foice, marmelo e verso
invadi seu coração
totalmente abandonado
Nele fiz aceiro, fiz cercado
Arei terra , ergui barraco
Plantei semente, contente
e colhi um bocado
de coisas boas
Improdutivo, antes, em luto
agora ele pulsa, dá fruto
E meu alicerce cravado
na carne, legaliza minha condição
de invasor a namorado
Sem ter quem peça reintegração
de posse, desse loteado
criemos nossas crias, que brotam
e crescem livres, abençoados
Que aproveitem nosso legado
Não te amo perdidamente
Isso é coisa de novela
Gostar é algo que se revela
no ato de quem preserva
algo bom que se sente
Entre a maçã e a serpente
prefiro preservar o respeito
porque sou amante ciente
daquilo que guardo no peito
Esse amor barato, que se jura
da boca pra fora, eloquente
não tem corpo, ternura
não tem nada que o sustente
Gosto como quem cuida
Semeio o bem, sem disfarce
É assim que a relação perdura
Semente que nasce e renasce
O mendigo fotografado
ficou bonito
Homem oriundo do descarte
no fotograma agora é arte
Da rua à galeria de fotolitos
o mendigo virou mito
Signos seguidos
persigo na cidade
Acidade sanguínea
fluxo, rotatividade
A rapidez do tempo
age no aço, edificante
E eu lento, nesse espaço
agonizo, insignificante
I
Quarto de inverno
O calor está na cama
Roupas pelo chão
II
Noite de verão
Lua no espelho d’àgua
Mar de estrelas
III
Estações do ano
Na feira colorida
Florescem frutíferas
Não há mar
e nem há monte
Nessa estrada
longa e sinuosa
a barreira é superada
Travessia pela ponte
Não há mar
e nem há monte
Mas há amar
que nessa viagem
onde estamos de passagem
é o melhor horizonte
O frio da noite
gela menos
do que o frio do olhar
A colher de sopa dada
não vale tanto quanto
uma colher de chá
Sem chance na rua
quem sabe nessa
madrugada Ela
não o levará?
Ontem reli um poema meu antigo
desses aplaudidos
Ambíguo
ele hoje, percebi que não faz
mais sentido
Contumaz
o que fiz, tudo aquilo
que nele era dito
era reflexo
do que até ali havia lido
Hoje leio outros livros
Novos assuntos
novos temas
E procuro novos sentidos
para escrever outros poemas
Um encontro aceito
de um com o outro
E foi tudo feito fora
das zonas de conforto
O que parecia não ter jeito
aconteceu de peito aberto
e um com outro deu certo
Virou belo concerto
Naquele leito vazio
hoje já não deito
E o mundo que era torto
agora é o nosso porto
O choro solitário
esmagado pela noite escura
Para aquela dor que adoece
há o amor que depura
Para as lágrimas salgadas
como um tipo de cura
ofereço muitas doses
do meu ombro doce
Infeliz é quem não entende
que a solidão é só sua
Algo tão pessoal
nunca será dividido
Aproveite
Dentro do meu
peito tem um
negócio que é
teu
E ele bate em
mim
porque está afim
de você
Violento
coração querendo
nossa relação
tem essa reação
Eu passo o dia contando
Ela passa o dia cosendo
O tempo que passa correndo
justo hoje, passa lento...
Caminho a passos largos
Passo a praça do pássaro
que passa voando
assim como a massa
que atravessa na faixa
e os carros em marcha
que passam por cima de tudo
Daí eu paro, mudo
Observo o mundo
que passa assim
passando apressado
e vira passado
E apesar de tudo passando
como coisa que não se protela
percebo que algo não passa:
a vontade de vê-la
Cadastre-se na Rede
e acesse o mundo
a imensidão
O nome do pai
do filho
o nome do cão
Datas de nascimentos
letras e elementos
que servem à ocasião
Fique socialmente conectado
Atado a tantos amigos
que nunca se verão
E guarde a senha
a sete chaves
das portas e das janelas
que apontam à solidão
O tempo marcado
no pulso
marca meu rosto
move o mercado
Impulso
Mercador do destino
corre parado
Injusto
Cada casa
é um caso
O tempo magro
O caco fundo
A casca rasa
O vaso chulo
O ócio mudo
O cio vago
O acaso nulo
Cada casa
é um casulo
Numa certa manhã
ao despertar de sonhos intranquilos
Gregório da Silva
acordou
e encontrou-se
metamorfoseado
em um... Ser humano
sem ter nada de especial
Lento
levantou-se
Tomou banho, café
saiu de casa
ao trabalho
de coletivos
com saudades do tempo em que
era um
monstruoso e temido
inseto
Olhos se fecham, outros se abrem
Uma folha cai, a outra cresce
Na troca da vida, nossos corações batem
juntos. Jardim do Éden que floresce
Tão bom o cheiro da minha amada
seu gosto doce, na pele salgada
O suor... Corpos quentes sobre a cama
Chama que aquece a noite gelada
Nas madrugas de Inverno
nossos abraços de Verão
De estação em estação
que esse calor se mantenha eterno
Ah, se o mundo fosse
como o relógio da vovó
seria bem melhor:
acordar e não dar corda
ao que acontece lá fora
e do seu lado
ver o tempo parado
Não existiria o tempo passando
nem o tempo passado
nem os dias corridos
Só o instante sendo
eternamente vivido
Acordei a Bela Dorminhoca
com um beijo na boca
profundo e envenenado
Entorpecidos, na cama
comemos a maçã do pecado
Amanheceu, ela foi embora
e me deixou um recado:
esqueceu os chinelos dourados
pra dizer que ainda volta
Espero que volte, para pegá-los
Vou me ajoelhar e calça-los
em seus pés; percorrer as pernas
até o meio delas; atingir os pelos
Entre meus lábios, os seus, tê-los
e novamente enlouquecidos
fazer a estória acontecer
Reescrevê-la, com prazer
Eu, gato sem botas
e você, nas maravilhas
fazendo um conto de fadas
virar um conto de fodas
O meu passarinho
bebe em sua fonte
Mergulha a cabeça
até o fundo
na nascente
Molha as assas
em água corrente
Cisca a terra
planta a semente
pra colher o fruto
Mira o horizonte
canta ao poente
esperando a noite
que vem
para se aninhar
entre a maçã e a serpente
e pecar
O abraço apertado, ofegante
sobre a cama
estrangulando o tempo
As marcas pelo corpo
evidências de um crime lícito
e perfeito
Um par
são dois
que são um
No separar das mãos
a dilatação da saudade
que já tem hora marcada para morrer
tempo de solidão
presente sem laço
você me dá a mão
e eu quero abraço
tão linda
círculo robusto
que torna a ideia lúdica
e faz a bunda dela
merecer um busto
para ser exibido
em praça pública
tão perfeita
que enfeita
toda rua
entre certo e errado
escolhas que detesto
porque nasci canhoto
num mundo dito destro
é tanta postura reta
desse povo torto
que me endireito
pelas indiretas
a biologia não a constrói
só carregar o feto não é afeto
porque ser mãe não é ser mala
duas coisas que não se igualam
há tantos desafetos nas ruas
crianças que só foram carregadas
concebidas pela indiferença
são tratadas como malcriadas
mas o olhar materno as enxerga
e isso transcende a fisiologia
mãe é uma divindade que caminha
sempre atenta a todas as crias
e a ternura da mãe se espalha:
nas roupas que são doadas
nas refeições que são distribuídas
em cobertores que abrandam o frio
em doces nos feriados sem alegria
a mãe instintiva lhes dá abrigo
tenta consertar essa realidade
cruel, invisível à sociedade
pois essa é órfã da empatia
novos ou velhos os filhos
pessoas de muitas necessidades
sob o olhar da mãe dos sem mães
recebem um pouco de dignidade
já fui substantivo
tive alguns adjetivos
tentei ser verbo
sujeito oculto
sem predicados
só existo em versos
quando fomos nuvens
viajamos por céus e cumes
passando mares e tormentos
cardume solto ao vento
somos o lume
do tempo
nessa ressaca nada me adoça
a substância negra é que me consome
e tento afogar a minha fossa
em latas de coca sem teu nome
o tempo alazão em disparada
me ultrapassa na estrada
tanto curva quanto reta
prateando minha crina preta
que desbota a cada jarda
na descida ou na subida
não importando a minha fé
de puro sangue a pangaré
não vencerei essa corrida
a faca
o queijo
o desejo
a fome
tudo em tuas mãos
corta essa
de solidão
e divide comigo
essa refeição
fios brancos transados
enroscados em pelos pretos
dueto que se acende
trama que surpreende
e me prende
os olhos
e me ajoelho
me rendendo
a tua renda
e caio em tua rede
a natureza que nos rende
bichos da seda em
bichos de sede
o pecado consome
quem não o consome
comida a fruta
saciada a fome
o pecado some
mesmo que o mundo não pare
e não vença o tempo
que pelo menos nesse mento
ele gire mais lento
Akai Ito
um fio a nos unir
dois sangues numa só veia
misturados pelo destino
poético seu sentido
pois nunca irá se partir
lábio arquetípico
vivo
no inconsciente
coletivo
para maioria
o ideal
forma feita
artesanal
enquanto as outras são
um rabisco
que não arrisco
dizer ser igual
a boca dela
o sorrio
é a arte final
atrás da mesa
do canil hospitaleiro
o cão cego guiado pelo dono
perdigueiro colabora
com a rotina adestradora
e sempre em guarda defende
carimbos que abrem portas
formulários infindáveis
assinaturas que materializam
computadores coisificadores
cargos redentores
sorrisos que afagam e afogam
a matilha subordinada
no final da lida
volta à sua casinha
e rói o que lhe sobra
os ossos do ofício
esboço inato
retrato do desejo
delineado lábio perfeito
feita à mão livre
fantasia, doce tracejo
impossível de ver defeito
arquétipo vivo
a boca dela é aquela
que quero grafada no peito
sinfonia que o ato produz
notas corporais
em toques musicais
o som que nos seduz
fá de ré pra mi
sentidos em atritos
lá em si sem dó
suspiros sustenidos
pudor em bemol
pautas noturnas
até virarem sol
voa passarinha voa
bate tuas assas
pra longe da agonia
e alça à alegria
volta pro teu recanto
rompe a gaiola velha
motivo de desencanto
e voa feito pluma livre
pruma nova vida leve
autoalforria
voa e volta entoando teu canto
melodia que tanto encanta
breve decanto que nos abranda
giganta
passarinha voa
traz das alturas
toda a esperança
e pousa na minha varanda
graça que produz luz
feminina silhueta
encanto por natureza
pose sem ênfase
gestos sublimes, leveza
nobreza e harmonia
em cada ângulo seu
que retrato na memória
vejo uma nova beleza
simetria e pureza
que se multiplicam
caleidoscópio de delicadezas
a felicidade infinita
retratada, embutida
no sorrio que falseio
é melhor ser fake
do que ser feio
a rua ria do rio que ia
do curso que ele seguia
pois sabia não conseguiria
progredir conforme ela progredia
cobrir a Terra ela poderia
ser mais útil ela seria
servir sempre ela serviria
só crescer era o que fazia
e isso ela nunca pararia
até que percebeu um dia
que o rio é que da rua ria
porque parada ela não saía
e apesar de crescer à revelia
para nenhum lugar a via ia
quando entendeu a diferença que havia
a rua imponente que antes ria
parada no lugar pôs-se a chorar
porque diferente do rio que ia
seu curso seguia para algum lugar
e a rua que antes não via
viu que nunca encontraria
o mar
agora é tarde demais para desaguar
som que rompe a barreira
distância que se encurta no tempo
voz da mulher que não vejo
som que me traz o beijo
seus lábios molhados percebo
voz da mulher que festejo
som que me invade os ouvidos
pela noite, madrugada adentro
voz da mulher que desejo
som, voz viva, lindo arpejo
que num instante, um lampejo
me dá aquilo que almejo
sua presença
acertei a flecha
na epiderme dela
tiro certeiro no seio
coração riscado na pele
com meu nome dentro
chancela que sela
nossos anseios
na conversa calorosa
na rede fria
entre muitas palavras
e poucas imagens
surge parte nua
do corpo alvo
felino e longo
e aos poucos outras:
o colo cálice
a coisa lisa e brilhosa
o seio simétrico
a boca estática em forma de beijo
o olhar vivo que sugere o sorriso
e o universo que nos cerca
que ainda está em expansão
de repente se contrai
a coerciva distância geográfica acaba
na equidistância do desejo
e a ideia de espaço some
é como a mágica que acontece
nas trocas de cartas entre amantes
que aproxima suas mãos através do papel perfumado
como a foto que vive na carteira
ícone que ameniza a ausência
como a pequena concha jogada na areia
que ao pé do ouvido ruge
porque dentro carrega o mar
a troca virtual
desvirtua o impossível
sinto sua presença
e tudo se torna atemporal
olho em teus olhos
luz de intenso brilho
e tento achar os meus
organizo uma imagem
monto uma colagem
com cada pedacinho que me deu
entre fragmentos
recortes de momentos
surge o corpo teu
no final a estrutura
forma bela escultura
que meu olhar concebeu
se o partido não toma
partido por você
por que você toma
partido pelo partido?
partido por
partido
melhor nós não
estarmos repartidos
tanta coisa boa é pouca
diante da beleza de sua boca
lábio que provoca
tanta coisa louca
carne farta que invoca
minha alma lassa
moça
coloca a sua na minha
e desloca
essa minha vida oca
que não mereço
a boca da moça é o começo
algo irá acontecer
na cidade intensidade
o céu ficará negro
e o dia irá escurecer
a água irá cair
as ruas irão encher
a noite será escura
não haverá amanhecer
a torneira irá secar
só sobrará o Tietê
o trânsito irá parar
não haverá pra onde correr
o estresse se espalhará
e atingirá você
seu coração explodirá
e você irá morrer
no meio da multidão
ninguém irá querer saber
de mais um corpo pelo chão
atrapalhando o entardecer
você irá apodrecer
a enxurrada o levará
ratos irão te roer
não há nada o que fazer
porque aqui é a Black SP!
quando bate a saudade
dá aquela vontade
de te pegar e ficar
jogados na tarde
beijar e sentir
a vida que arde
quando bate a saudade
morre a vaidade
o orgulho chora, late
deixa de ser covarde
baixa os punhos
acaba o combate
saudade quando bate
bate forte
e tudo mais
fica pra trás
o sorriso é
um sintoma da
felicidade
adoeça sem
moderação
tem nome de titia
dessas que ninguém elogia
ela é feia feito Sophia
tem olhos de esfinge
e longas pernas esguias
ela é feia feito Sophia
arredia com todos
é estúpida e fria
ela é feia feito Sophia
de sex appeal tem fobia
por isso fez até terapia
ela é feia feito Sophia
quando lhe chamam de “linda”
retribui com rebeldia
ela é feia feito Sophia
um dia lhe fiz poesia
que achou uma porcaria
ela é feia feito Sophia
mas meus olhos a contraria
quando vejo sua fisionomia
porque acho ela feia
feito Sophia
Loren