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heróis e assassinos
assassinos heróis
aproveitadores imundos
a ordem dos tanques
destrói o produto
o trauma não sai da carne
a dor tende a ser extrema
e a poesia na guerra
é ilusão de cinema
o resto é história…
Claro que tive medo
de ir por onde não sabia
mas a coragem que sua mão guia
me dava, me enchia de ousadia
Não, não era o santo, nem deus
ou qualquer outra mitologia
era a juventude que eu tinha
ao meu lado, me dava vontade
coragem, inconsequência, alegria
de correr sem saber aonde iria
e se em algum lugar chegaria
Até que um dia ela soltou da minha
mão, e os pés no chão passaram
a ser a principal companhia
no dia das crianças
ganhei um martelo
prego atrás de prego
prego meu destino
na cruz
mais um menino
Jesus
com presente
sem futuro
Criança sem casa
não cria asas
tem perna torta
e bate palmas
de porta em porta
I
Quem não gostar
que atire
a primeira jujuba
E tiro sim
a atenção delas
com uma travessura
As crianças na janela
não querem mais balas...
II
Na janela
que (h)aja nela
esperança
A felicidade refletia impávida
nas crianças que
jogavam
bola na rua
Lá vai voa vai
a bola que voa
sobre o muro
sobre os portões
sobre as grades
sobre lanças e
cai
num quintal
fúnebre
Para a morte que florescia
no chão solitário
aquela queda era uma gota
incômoda
de alegria alheia
Desaforada fora a bola
que foi furada
rasgada
partida ao meio
no meio do quintal
meio aos olhares alheios
violentada como um meio
de se atingir a felicidade
Um sotaque guarda uma lembrança
que voa, como o cantar de um passarinho...
Em chão pavimentado
não se planta semente
porque nada natural pode nascer ali
Toda lembrança guarda uma morte
e a morte vive num tempo que não volta
Nunca mais seremos crianças
No jardim do cemitério
As crianças mortas
Comem algodão doce
Nos narizes dos defuntos
E cavalgam nos anjos de mármore
Durante o recreio
Cercadas de uma paz estranha
Existem assim até o dia
Em que serão adultas
E terão suas almas
Sepultadas de vez
Minha rua negra já foi de terra, pedras e diversões
Na época em que os carneiros eram coloridos
e podíamos montá-los e guardar essa lembrança
para o resto de nossas vidas
O Gigante é uma lembrança alegre
A casa da Flora nunca teve árvores
O homem da tapioca não tinha relógio
e sabia a hora certa. Acho que nos tapeava
As gêmeas, nunca achei elas parecidas, mas
agora estão ficando (que estranho...)
Alguns vizinhos detestavam os inofensivos
restos de couro que insistíamos em chutar
entre os chinelos que ficavam nas laterais da rua
Acho que éramos uma gangue de crianças
criminosas que com alegria pura e ilícita
perturbavam a moral adulta
O céu da minha rua sempre foi de nuvens e pipas
Poucos fios e postes ainda
Nas noites ele era mais celeste
Tinha mais e maiores pontos brancos
Salpicados, densos, formavam manchas
Hoje minha rua é silêncio
Que às vezes é quebrado por algum vendedor
Alguém pedindo um punhado
Leitores autárquicos...
Às vezes passa uma criança correndo
Dá um grito e some veloz rindo
Mas não sei se é menino do vizinho
Se é de outra rua
Ou se é uma impressão saudosa
Que ainda insiste em brincar
E pregar peças nesse adulto clandestino que me transformei
Lá vai longe lá em cima no céu
A pipa colorida de papel
Limitada pela branca linha
Que fica embolada numa latinha
Também chamada de Papagaio
Peixinho, Raia, Maranhão
Ou Quadrado, alimenta a ilusão
Do garoto pobre e esguio
Quantas coisas não voam junto com ela
Nem lembramos de Morros ou Favelas
Nesse momento infantil e alado
Todas as mazelas ficam de lado
Só existem a brisa e as cores
Das nuvens beija-flores
As pipas fazem seu papel voando
Desbicando, aparando e habitando
Um universo paralelo e infinito
Que torna o nosso pesado finito
Mais leve e um tanto mais bonito
Finda o dia com a pipa brincado
Volta a branca linha para a latinha
E o sonho que antes era alado
Num canto da casa pernoita quietinha
No outro canto da casa pequena
Depois de tornar a dor amena
Repousa feliz o garoto sonhador
Imaginando que algum dia na vida
Todos os homens deixem a lida
Desenrolem suas negras linhas
De suas surradas latinas
E pintem de colorido o azul do céu
Com suas pipas de papel...
(Até as negras linhas se confundirem com as nuvens)
Tentativa de compor uma música infantil.
O sapo tinha uma canoa
Na canoa, ia pelo rio
O rio ia para o mar
Mar, que o sapo nunca viu
Chegando lá, logo se encantou
Na areia ele se acomodou
De óculos escuros
Deitado na esteira
Catava: Uêba! Uêba! Uêba!
O passarinho preso canta
O canto preso na garganta
E preso a sua natureza
O passarinho preso
É a natureza presa
Presa fácil do progresso
Progresso sem regresso
O homem preso a terra
Com saudade de sua natureza
Que esperteza! Prendeu na cela
A pobre ave indefesa
O periquito verde
O canário amarelo
O colibri azul
A calopsita branca
Cores presas à saudade...
A cidade cobre a terra
Erra o homem sobre ela
E celando a ave cantante
Ele tem por um instante
A natureza esquecida
Decantada no lamento
Do passarinho, que por um momento
Alivia seu sofrimento
Hoje é dia do amigo
Como pude esquecer!
Vendo um álbum antigo
Lembrei-me de você
Quantos momentos divertidos
Festas, passeios, viagens
Esquinas, roles, camaradagens
Muitos instantes vividos
Alguns, em fotos guardados
Outros, boas lembranças
Agora, estamos separados
Mas juntos, somos crianças
Crianças alegres brincantes
Neste tempo maluco: perdidos
Nossos sonhos a muito esquecidos
Tornam-se em conjunto brilhantes
Mágoas sofridas de outrora
Risos alegres de agora
Pois briga de amigo vai embora
Não fica, passa na hora
Às vezes me sinto só
Precisando de abrigo
Meu estado chega dá dó
Por isso lhe antedigo:
Nesse mundo conturbado
Onde muito se aceita calado
É bom sempre estar contigo
Quero tê-lo sempre ao meu lado
Obrigado por existir, amigo!
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Foi em 1985, eu estava na quarta ou quinta série, nem lembro direito, mas me recordo perfeitamente o dia em que Tancredo morreu.
O Brasil, depois de passar vinte anos vivendo num regime ditatorial, e esse é considerado o período mais negro de toda a nossa história, o Colégio Eleitoral elegia presidente da república, numa votação mais do que histórica, já que foi aberta (cada integrante dirigia-se até um microfone e falava seu voto) e transmitida por, praticamente, todos os veículos de comunicação, o Sr. Tancredo de Almeida Neves, candidato do PMDB, que no embate político derrotou o biônico, e amiguinho dos militares, o Sr. Paulo Maluf, com 480 votos contra 180 desse último, e teve 26 abstenções (é, teve cara que num momento histórico dessa magnitude ficou calado! 26 bundões omissos!).
Na época não fazia idéia do que estava acontecendo, do momento que o país passava. Num muro dum ferro-velho, que ficava de frente a rua que eu moro (moro no mesmo lugar até hoje), havia pichado a frase “Diretas Já!”, lia-a mas não sabia do que se tratava tais palavras. Lembro de alguns detalhes da vida escolar que eram provenientes da influência dos militares. Todos os dias na escola tínhamos que traçar na página do caderno, de cima para baixo, da direita para a esquerda, dois riscos com lápis de cor, um verde outro amarelo, depois de fazer o cabeçalho com o nome da escola, local, data... Na entrada, na hora de formar as filas para que fossemos conduzidos, ordenadamente, as respectivas salas de aula, tínhamos que esticar o braço e encostar a mão no ombro do amigo da frente, isso determinava a distância que cada um deveria ficar do outro. Na educação física, na hora do professor fazer a chamada, formávamos quatro colunas, todos de uniforme branco, ficávamos com as mãos atrás do corpo, uma mão segurando o punho da outra, e com os pés naturalmente afastados. Essas duas posturas corporais são militares. Descobri isso, ou melhor, liguei o nome à pessoa, quando servi ao exército (obrigatoriamente) em 1994, no 2º Batalhão de Polícia do Exército (quando ainda era na Abílio Soares). Fora hastear a bandeira cantando o hino nacional, isso já era clichê. No quartel tínhamos que saber, na ponta da língua, todo o hino nacional. Tarefa difícil. Um dos tenentes dizia indignado “como pode, vocês saberem Faroeste Caboclo inteira, sem errar uma vírgula, e não decorarem o hino nacional! Bando de mocorongos!”.
Na escola, numa das vezes que ficamos sem professora na sala, aproveitamos da situação para fazer a boa e velha algazarra, como os alunos do primeiro grau geralmente fazem. O contingente da sala deveria ser entre trinta e cinco, quarenta alunos, não lembro exato. A porta da sala ficava no canto frontal direito. De repente a professora, uma mulher magra, rosto chupado com nariz fininho, lábios insossos, olhos furiosos, cabelos curtos, meio alaranjados, meio amarelados, nitidamente tingidos na tentativa de esconder o tempo, rompe aos berros, “parem já com esta anarquia!”... Era a primeira vez que ouvia a palavra anarquia. Nem sabia o seu significado. Mas associando essa nova palavra à situação, boa coisa ela não poderia significar.
Outra coisa bem interessante da época era uma propaganda que a TVS (hoje SBT) exibia. Sempre aos domingos, nos intervalos do programa do Silvio Santos, era exibido “A semana do presidente”, onde mostrava as atividades cotidianas do presidente militar em exercício. Era uma nítida puxada de saco, para tentar obter favores de concessão, já que os Marinhos sempre foram mais próximos dos generais verdejantes, e levaram muito mais vantagem do que os Abravanel, no campo das telecomunicações.
Voltando ao fatídico dia, tudo estava aparentemente normal. Os preparativos corriqueiros seguiam, tinha tomado café-da-manhã, e minha mãe ouvia um programa matinal de rádio, onde o locutor todo dia dizia “olha hora, olha hora. Acorda ele Dna. Maria. Joga água!”, e sonoplasticamente seguia-se o som de água espirrando. Coloquei o avental do colégio, branco com um passarinho desenhado no bolso superior esquerdo. Peguei minha mochila, sai pela porta da cozinha e segui pelo corredor. Passei pelo portão que vem antes da garagem, atravesei-a, saquei as chaves do bolso, e fui para abrir o portão principal, o que dá acesso à rua. Estava uma manhã ensolarada, lembro-me das sombras das barras do portão esparramadas pelo chão do quintal, provocadas pelos quentes e suaves raios solares. Quando fui abrir o portão ouvi um voz me chamando, “andré, andré”, olhei para o lado direito da rua e vi minha vizinha, que voltava do colégio. Ela veio em minha direção e disse:
- André, hoje não vai ter aula.
- Não? Por quê? - Perguntei espantado. Não via motivo para tal.
- O Tancredo Neves morreu! – Respondeu num tom seco.
Parei de frente ao portão, pensando na trágica e fúnebre afirmação que a menina acabara de proferir... E como todo bom garoto do primeiro grau, alienado politicamente, bradei:
EBAAA! HOJE NÃO TEM AULA!
Regime Militar - 1964/85
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Vozes do Golpe - Um Voluntário da Pátria
Karl Marx - O Manifesto do Partido Comunista
Zelia Gattai - Anarquistas Graças a Deus
Carlos Marighella - Manual de Guerilha
Jean-Jaques Rousseau - O Contrato Social
Platão
George Lopez é professor de uma pequena escola na região rural da França, na pequena cidade de Auvergne, onde leciona para uma turma de 13 alunos, de quatro a treze anos, escola de uma turma só. Muito parecida (guardadas suas devidas proporções, claro!) as escolas no interior da região norte/nordeste do Brasil.
Com a câmera parada e sem nenhuma interferência no dia-a-dia da escola, o diretor Nicolas Philibert capta toda a relação humana que se constrói durante o ano letivo. Aos cinqüenta e cinco anos, trinta e cinco deles de profissão, o professor George Lopez, que mantém certa rigidez na sala, conquista o respeito de seus alunos falando de uma forma direta e clara, e sempre sendo atencioso com sua turma.
O documentário levanta a questão do relacionamento na escola, dos professores com os alunos, e entre alunos. É uma realidade bem diferente, já que se trata de uma escola de uma cidade pequena, mas mesmo assim, deixando esse fato de lado, onde foi parar o relacionamento afetivo entre professor e aluno? Ser e Ter é calmo, tranquilo, bucólico e, às vezes, invejável. É um cotidiano simples, distante dos das grandes cidades. É um documentário que mostra que há sim possibilidade de algo melhor, com relação à forma de aplicação do ensino.
A curiosidade das crianças é uma atração a parte. Mesmo com a presença constante da câmera, o documentário não perde sua naturalidade.
Um outro valor apresentado foi à ajuda dos familiares nos deveres escolares. Hoje, devido a essa pressa constante (que nunca acaba e, pior, nunca chega a lugar algum) a família é cada vez mais uma unidade diluída. Todos trabalham, e quando chegam em casa, cada um tem seu canto. O dever-de-casa do filho não é mais feito com o auxílio dos pais, e sim somente com o dos professores. É pena, pois não há tantas (estou sendo otimista) escolas como a retratada no documentário.
Não consegui criar uma relação direta do nome com o filme. Talvez algo entre Ser aquilo e Ter aquilo? Não sei. Mas o olhar final do professor, quando chegou o final do período escolar, em que os alunos saem de férias, foi o que me chamou a atenção: se Sou professor, quando Tenho alunos, o que Sou, quando não os Tenho? Um olhar perdido...
Assista: Ser e Ter (França, 2007) – Direção de Nicolas Philibert
Garoto com talento, que mantém garoto com talento, que mantém garoto com talento, que mant...
Não tenho muito o que falar, acho que a imagem já diz muito.
Nova tentativa...