O agro é vida
é pop, é arma
é armação
O agro é grilagem
é desterro, é poder
é inflação
O agro é dólar
é miséria, é lobby
é extorsão
O agro é fome
é tóxico, é golpe
é escravidão
O agro é morte
O gosto da sopa de osso
na escuridão do fundo do poço
amarga a garganta do moço
sem futuro...
A quem ainda dá o endosso
ao boçal que está no congresso
quer ver o país em destroços
sem futuro...
“ele não” é nenhum colosso
nosso próximo passo
é derrubá-lo, mandá-lo ao fosso
e pensar no futuro...
Nas horas claras me disfarço
um operário em causa alheia
escorre na ampulheta a areia
do tempo que desfaz escasso
e no escuro das horas, farto
talvez as melhores do dia
me deito no cansaço
me reconstruo na poesia
Age como bicho de esgoto
o escroto bolsorato
A milícia e sua família
formam a bolsoquadrilha
Asseclas tem de montão
a matilha de bolsocão
Pela boiada é amado
rebanho de bolsogado
Para completar o cenário
um monte de bolsotário
que o vê como messias
a pior das fantasias
Pelos idiotas idolatrado
só nos sobra o brado:
FORA BOLSONARO!
A fome era zero
agora elevou a numeração
O agro ficou pop
ganha mais com a produção
Dólar em alta
garante melhor arrecadação
O mercado interno
que pague mais pela mesma porção
Mas não se preocupe
sobrará ao menos os ossos
para a sopa, ou roer feito um cão
Ao lado do camping de mendigos
inaugurou um fast food novo
Comemoram os famintos maltrapilhos
“o lixo dessa rede é mais gostoso”
Sob os seus arcos dourados
quem sabe consigam uma esmola
porque o lanche que é jogado fora
dividem com cães, gatos e ratos
O palhaço que sorri na entrada
tem a alegria como suprassumo
provoca engasgos e gargalhadas
e mata muitas sedes de consumo
O frio do tempo
O frio do chão
O aquecimento é global
mas não aquece o coração
O olhar gelado
sobre o desvalido
lhe cobre o corpo
de desilusão
No fio da navalha
nada o agasalha
No frio da navalha
mais uma mortalha
Entre lazaro e lazarento
espetáculos deprimentes
um ministro desumano
e a polícia que não prende
Dê as sobras aos mendigos
economize, o bolso rende
Os agentes levam cano
na caçada ao delinquente
Incompetências endógenas
de uma estrutura displicente
confirmando que nós somos
uma pátria de indigentes
Bolsa de Valores forte!
Empregos fracos...
Povo pobre
inflações de itens básicos
Os estados faliram...
Mas o PIB cresceu(!?)
Será que se confundiram?
Como isso aconteceu?
Muito dinheiro com poucos
para a maioria, migalhas de pão
Desigualdade, eis o agravo
o Brasil é sempre uma ilusão
atrás da mesa
do canil hospitaleiro
o cão cego guiado pelo dono
perdigueiro colabora
com a rotina adestradora
e sempre em guarda defende
carimbos que abrem portas
formulários infindáveis
assinaturas que materializam
computadores coisificadores
cargos redentores
sorrisos que afagam e afogam
a matilha subordinada
no final da lida
volta à sua casinha
e rói o que lhe sobra
os ossos do ofício
O trabalho espreme o tempo
que não cabe uma quadrinha
de todos o pior contratempo
sufoca toda a minha poesia
Nas esquinas da minha pátria
camelôs vendem
o dropes da amargura
por uma módica quantia:
a vida
O doce
produto
que se dissolve
na boca
limitasse a
um fechar de olhos
um pacote a prestação
um auto
um instante
E o sabor
extra-forte
da bala
não abala
a estrutura
Adquirir a própria vida
custa
(meu) caro
§ - Único
Quando minha citação ao
Pé do teu ouvido for válida
Tornarei prevento teu juízo
Teu corpo em litispendência
E faremos nossa coisa litigiosa
Quem nos julgar por isso será visto
Como incompetente que tem
A inveja como ofício
Decretando a perda de nossos
Direitos indispensáveis
Baseado em prazos decadentes
E atos preclusórios
(fica dito pelo interdito)
Pagarei a mora pela demora
Antes que teu olhar prescreva
Juro
No tribunal dos puros presidido pelo ciclope negro
As litispendências são válidas e os prazos ignorados
Argüidos ou não, todos os atos são condenáveis e os fatos são fatídicos
As sete Górgonas, petrificando a justiça
Fazem todos virarem Hell
Sentenciando antes mesmo da citação:
Culpado!
Querelante e Querelado
Culpado!
Inepto, prescrito, contestado
Culpado!
Revel, incompetente, reconvindo
Culpado!
E assim seguem os ordinários:
Julgados a revelia e de maneira sumária
Num rito medieval onde só há testemunhas
Sobre a autora: Claudia Costa é jornalista e professora universitária, convive com Comunicação Sindical desde 1987. Já trabalhou no Sindicato dos Médicos e dos Bancários do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP) e participou de inúmeras eleições sindicais pelo país. Também foi assessora de Organização da CUT Nacional e atualmente está na área de Comunicação da Conlutas. Em 2003 fez estágio no jornal sindical Labor Notes, em Detroit (MI -EUA). Sua dissertação de Mestrado é sobre as imprensas da Igreja, das organizações de esquerda e do Sindicatoi dos Metalúrgicos do ABC, no período da retomada das greves, ao final da década de 70.
O que diz a autora sobre a sua obra: "Os desafios cotidianos vividos pela comunicação sindical no século XXI são muitos. Entre eles, responder ao neoliberalismo e as suas implicações no mundo do trabalho. Como lidar com as novas tecnologias na área da informação - principalmente a internet - e conduzir as novas disputas políticas no interior do movimento sindical. A comunicação sindical tem diante de si o desafio de responder a essas questões precisando renovar-se e tornar-se atraente num mundo repleto de atrativos e de tantos discursos persuasivos. É um desafio conquistar espaço e credibilidade nos corações e mentes de nosso público quando as ofertas de informações são tantas - na forma e no conteúdo. Para tratar desses desafios do cotidiano, resgato alguns conceitos que influenciaram a maneira de fazer imprensa sindical no início do século XX no Brasil. Resgato também duas experiências importantes nas décadas finais desse século: a do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a do Sindicado dos Metalúrgicos de São José dos Campos, ambos no Estado de São Paulo."
Livro: COMUNICAÇÃO SINDICAL NO BRASIL: breve resgate e desafios
Autora: Claudia Costa
Editora: Sundermann www.editorasundermann.com.br
1ª edição - R$ 12,00
Lançamento: dia 07 de julho de 2010 - a partir das 19hs
Espaço Cultural Alberico Rodrigues www.albericorodrigues.com.br
Praça Benedito Calixto, 159 - Pinheiros - São Paulo/SP
Tels.: 11 3064 3920 e 11 3064 9737
Mais Valia...
É o passado mais presente
E o presente mais sem graça
Nada é de graça
Nem a desgraçada
Graça divina
A Mais Valia
Ainda vale mais
E duro será o dia
Em que saberemos que
A Mais Valia
De nada valeu
Leva o peão
Leva o peão
Leva o peão
Leva o peão
Leva o peão
De estação
Em estação
De estação
Em estação
De estação
Em estação
Sobe um montão
Desce um montão
Sobe um montão
Desce um montão
Sobe um montão
Desce um montão
Bate o cartão
A multidão
Bate o cartão
A multidão
Bate o cartão
A multidão
Repetição
Repetição
Repetição
Repetição
Repetição
Piuiiiii
Arroz feijão
Arroz feijão
Piuiiiii
Repetição
Repetição
Repetição
Repetição
Repetição
Pra casa não
Ganha o patrão
Pra casa não
Ganha o patrão
Pra casa não
Ganha o patrão
E mais café
E menos pão
E mais café
E menos pão
E mais café
E menos pão
Reprodução
Reprodução
Reprodução
Reprodução
Reprodução
Tudo ilusão
Tudo ilusão
Tudo ilusão
Tudo ilusão
Tudo ilusão
Desce o caixão.
É difícil escolher e falar de um lugar de São Paulo, já que sou paulistano, sempre morei aqui e ando por toda a cidade, ou pelo menos por boa parte dela, desde sempre. Fica então mais fácil começar pelo começo da minha relação com Sampa.
Essa paixão, ou amor, ou dependência, não sei mais qual desses é que sinto, ou se sinto todos ao mesmo tempo... É, acho que é tudo ao mesmo tempo. Aqui tem que ser tudo ao mesmo tempo, senão não vai. Essa relação começou a ficar mais intensa quando entrei para o mercado de trabalho, em 89. Iniciei na vida corporativa como todo garoto da minha época e idade (14) começava, como Office-boy. Foi um ano de muitas mudanças: para mim, que a partir de então teria mais responsabilidades, para o Brasil, que depois de um período de ditadura estava prestes a realizar eleições diretas para presidente, e para o mundo, que assistia a bancarrota de boa parte dos camaradas vermelhos, iniciada com a queda do muro de Berlin.
Bem, mudanças geopolíticas a parte, uma alteração significativa na minha “georotina” era o fato de que eu concluiria o ensino médio num colégio próximo ao centro, mais exatamente na Av. Liberdade. Os amigos da escola de bairro ficariam para o final de semana. Nada mais de, ao término do expediente, correr e pegar o metrô lotado na República, baldear na Sé, ir enlatado até o Carandiru e depois ir pendurado no ônibus até o Jardim Brasil. Tudo isso para, tentar, chegar a tempo de assistir a primeira aula.
A minha rotina alterou-se. Saia do trabalho, um escritório que tratava de imóveis e seguros localizado na 24 de Maio, caminhava tranquilamente por toda extensão da rua sentido Conselheiro Crispiniano, o tempo agora sobrava. Às vezes parava na Galeria do Rock para admirar as capas de discos e estampas de camisetas, que em sua maioria retratava algum rockstar morto por overdose, ou algum outro motivo. As figuras que lá freqüentavam também eram bem curiosas. Punks, metaleiros, góticos e mais uma porção de outras tribos que eu não fazia idéia de como se chamavam ou se denominavam.
Passava pela Praça Ramos de Azevedo que era habitada por figuras quase que circenses: os homens-sanduíche, que divulgavam vagas de emprego, logo a sua frente ficava o mágico que entre tantos números o que melhor executava era tirar luz, feijão e morada de dentro da mínima cartola. Havia também os piratas negociadores de ouro e documentos falsificados... A mais interessante dessas personas era o malabarista: de um lado um aro 20 velho de bicicleta circundado de facas e do outro lado o grande protagonista, vestido com uma calça de capoeirista e sem camisa, exibindo seu físico parcialmente definido (definido mais pela fome do que pela prática de exercícios) e em sua volta a multidão de espectadores curiosos, ansiosos para vê-lo mergulhando através do arco da morte, o que nunca acontecia. Ele ensaiava um salto, recuava, contava uma lorota, ameaçava pular, recuava... E de repente oferecia ao público uma pomadinha milagrosa, feita sei lá do que, que curava de dor de cotovelo a reumatismo. Observando tudo isso, em cada lateral havia um gigante. Na esquerda o erudito e histórico Teatro Municipal, e na direita a impávida e colossal loja de departamentos Mappin, elefante que divertiu muita gente, mas virou zebra e acabou morrendo.
Passado à praça, atravessava a Xavier de Toledo, seguia pelo Viaduto do Chá, onde o show continuava. O homem-bala confesso que não era uma figura querida, era só surrupiar uma bolsa ou carteira para vê-lo voar, e caso precisasse usar o canhão, a experiência tornava-se mais desagradável ainda para o (in)voluntário da platéia. As ciganas, as coloridas cartomantes, com o seu sexto sentido apurado de charlatãs, eram capazes de ler o futuro até nas tampinhas de garrafa, uma maravilha. Os camelôs faziam o papel dos pipoqueiros, vendendo suas bugigangas paraguaias. Os macacos adestrados e de uniforme chegavam todos de carro, estacionavam, desciam e ficavam observando o movimento. Mas é melhor não trata-los como macacos, Virgulino perdeu a cabeça por causa disso. No final do viaduto a visão não era agradável. Pedintes exibindo suas pernas podres passavam o dia ali, com o braço esticado na esperança de um trocado. Era uma ferida sobre a outra: gangrena ou trombose tornando o mendigo enfermo a pior feriada produzida pela sociedade. Havia um que não tinha os olhos, seus braços e dedos eram ossudos, vivia sentado todo torto, era uma figura impactante. Olha-lo era uma mistura de dó, indignação e escárnio. Talvez fosse mais digno que o farrapo se jogasse no vale do diabo, se estatelasse tingindo o chão de sangue e desigualdade. Quem sabe até estrelasse as primeiras páginas do Notícias Populares e alguém sentisse apenas dó dele. Mas ele era tão magrelo que era capaz de nem sangrar muito e não ser percebido. As feridas expostas incomodam e, querendo ou não, nos deixam um pouco frios.
Saia do viaduto, atravessava a Praça do Patriarca, seguia pela Rua Direita e prestava atenção em outras pernas. Na passarela calças pretas apertadas, saias azul-marinho, saltos altos, pernas torneadas, tudo aquilo era um colírio para os meu olhos juvenis. Às vezes parava em alguma loja em que havia uma pilha de fitas K7 em promoção e entre uma fita e outra admirava uma modelo. Na pilha nunca havia algo que prestasse, mas era bom sempre dar uma conferida.
Subia a Quintino Bocaiúva, dava uma olhada nas lojas de instrumentos musicais, chegava no Largo São Francisco e parava no Sebo do Messias. Praticamente eu batia cartão lá, sempre conferindo os vinis. O único lugar onde o cheiro de mofo não atacava minha renite alérgica era no Sebo.
Saia e em fim chegava na Av. Liberdade, me deparando com as últimas personagens da minha jornada. No começo da avenida tem um trecho que apelidei de “paredão das putas”. No final do horário comercial as lojas de Cine & Foto baixavam suas portas, e as meninas iniciavam a profissão. Ficavam enfileiradas ali de 15 a 20 mulheres. A que mais chamava atenção era uma grávida, com o barrigão enorme, na maioria das vezes de vestidinho agarrado de cor azul bebê (Freud explica). Eu passava entre chamadas - psiu, ei gato, ta afim?; oi... vamô lá? - e pensava - mal sabem elas que meu misero salário fica quase todo com a instituição da família Álvares Penteado... o que sobra dá para, no máximo, um hot dog no final do dia.
Chegando ao colégio encontrava os novos amigos, às vezes comia o dito hot dog, às vezes não, às vezes era uma “canoa na chapa”, com catchup e guaraná, às vezes não...
No final da noite era pegar o metrô o ônibus voltar para casa e tentar dormir antes que o dia seguinte chegasse, para acordar pela manhã junto com o galo e me preparar para viver mais um dia de responsabilidades e impressões lúdicas dessa cidade, que apesar dos pesares, ainda muito me encanta.
Percorro as ruas paralelas
Do centro, procurando emprego
E me deparo com as donzelas
Que vendem o seu apego
Serei eu assim como elas?
Mesma história com outro enredo
Ou somos apenas sociais mazelas
Estigmas, frutos do desemprego?
De porta em porta, batendo
Sigo adiante, firme e atento
Vendendo minha força, meu corpo
Meu pensamento, meu sonho, meu tempo
Para alguém que há tempos
Desde os tempos dos campos
Senhores de engenho, tiranos
Hoje, capitalistas vorazes, insanos
Para mim, sempre com algum plano
Vendo-me assim, sinto-me um coitado
Sonhador bobo, num mundo pré-programado
Sem opções, onde o certo é o errado
E tudo mais pode ser comprado
Essa indiferença humana me consome
E antes que piore e eu morra de fome
Coloco minha máscara, invento codinome
E carrego uma placa ao peito: Vendo-me
Quem quer me comprar?