Mais um cadáver na sarjeta
“ah, mas estava só a caveira”
nem assusta mais a multidão
Em meio à sujeira, mais um zumbi
lhe estende a mão: “doce ou travessura”:
lhe pegam a carteira, lhe pedem pão
As bruxas e suas crias, pagãos
vivem a pior das fantasias
sob o horror da inquisição
Ratos, baratas e víboras políticas
dão o toque de terror no dia a dia
mantendo no caos a população
No centro de SP é assim
todo dia é halloween
O joão trabalhador
já foi gari, pedreiro, pintor
Liberal à brasileira
é o joão impostor
Desde o nascimento
está grudado ao estado
Sanguessuga disfarçado
ímprobo condenado
Ainda há o eleitorado
que crê no joão empresário
a mais pura enganação
que já surgiu no plenário
Será que muda no próximo pleito
essa parca e distorcida visão?
Será que verão que o eleito
não foi o empresário e sim o fanfarrão?
Límpida cai a chuva
na rua
e corre suja
ao rio invisível
Água viva
corrente ativa
um fio de vida
ainda possível
A cidade diminui na noite
que escura se funde à fuligem
Céu e asfalto se unem
formando uma outra miragem
Que a cada passo se amplia
nos ecos dos passos passados
Personagens que somem ao dia
se avultam a novos pecados
Quando será que a vida acaba?
Com a morte? Não creio
Tanta gente maltrapilha vaga
sem saber para que aqui veio
Carregar a própria existência
nos ombros, há quem não suporte
O peso do “ter que ser”, consorte
transcende qualquer essência
Sobreviver como indigente
na selva de pedra é penoso
A esmola, um prato, entorpecentes
ajudam amenizar o desgosto
Mas uma hora isso cansa
Abreviar o sofrimento é a opção
Quem vai lembrar daquela criança?
Era só mais uma, largada no chão
Seu nome? Rogério, Roberto... Enfim
o viaduto da santa foi o trampolim
Num voo curto e fatal, no paraíso
mais um precipitou o seu fim
Espatifou no asfalto da 23 de maio
Por um instante pararam em atenção...
Olharam e foi como naquela canção:
“morreu na contramão atrapalhando o sábado”
O mendigo fotografado
ficou bonito
Homem oriundo do descarte
no fotograma agora é arte
Da rua à galeria de fotolitos
o mendigo virou mito
Signos seguidos
persigo na cidade
Acidade sanguínea
fluxo, rotatividade
A rapidez do tempo
age no aço, edificante
E eu lento, nesse espaço
agonizo, insignificante
a rua ria do rio que ia
do curso que ele seguia
pois sabia não conseguiria
progredir conforme ela progredia
cobrir a Terra ela poderia
ser mais útil ela seria
servir sempre ela serviria
só crescer era o que fazia
e isso ela nunca pararia
até que percebeu um dia
que o rio é que da rua ria
porque parada ela não saía
e apesar de crescer à revelia
para nenhum lugar a via ia
quando entendeu a diferença que havia
a rua imponente que antes ria
parada no lugar pôs-se a chorar
porque diferente do rio que ia
seu curso seguia para algum lugar
e a rua que antes não via
viu que nunca encontraria
o mar
agora é tarde demais para desaguar
algo irá acontecer
na cidade intensidade
o céu ficará negro
e o dia irá escurecer
a água irá cair
as ruas irão encher
a noite será escura
não haverá amanhecer
a torneira irá secar
só sobrará o Tietê
o trânsito irá parar
não haverá pra onde correr
o estresse se espalhará
e atingirá você
seu coração explodirá
e você irá morrer
no meio da multidão
ninguém irá querer saber
de mais um corpo pelo chão
atrapalhando o entardecer
você irá apodrecer
a enxurrada o levará
ratos irão te roer
não há nada o que fazer
porque aqui é a Black SP!
I
céu sem nuvens
o fundo da represa
ar na torneira
II
o vento forte
a árvore que cai
luz que se apaga
III
lagoa seca
tucanos bebericando
há vinte anos
IV
água cai do céu
asfalto impermeável
Clara boia
V
o céu cinza
a multidão que corre
edifício
VI
o sol a pino
multidão amontoada
espera no ponto
VII
a chuva forte
correria na praça
o banco vazio
VIII
fome de inverno
o sal sobre a mesa
mosca na sopa
IX
gramado verde
passe preciso, o gol
ver de amar, elo
X
chove lá fora
batem palmas no portão
melhor na cama
I
chuva de verão
casamento de espanhol
enclave de sol
II
chuva de verão
asfalto impermeável
a rã está morta
III
chuva de verão
a árvore cai morta
luz que se apaga
IV
chuva de verão
o ônibus lotado
vidro embaçado
V
chuva de verão
a gravata a forca
algodão molhado
VI
chuva de verão
batuque no telhado
chão de granizo
VII
chuva na estação
trem lento caramujo
todos verão
pelos signos da cidade
perdido errante
o ser social segue
insignificante
viver cidade
violenta velocidade
ver a cidade aparente
ser o vírus e a semente
fugaz ser
a serpente
gás do caos corrente
lentamente
trânsito em transe
carros tragados
transeuntes
cigarros lábios lentes
lenta mente ácida
árida
fragmenta mente
cor rente
de mente
fuga cidade
lá tente
Tietê quem
te viu não quer
te ver
à margem
sem ramagem
sem ramais
marginais nada
fluviais
no leito
sem porto
sem jeito
rio quase morto
amizade de faculdade
entidade
Unisant’anna
o tempo passa, zuni
e a afinidade mantem-se imune
espírito, nirvana
pois algo ainda nos uni
em bares de Santana
para Eli, Bia, Betão e VB
ódio raiva rancor
toda dor da humanidade
a infelicidade faz o corpo
social se mexer
mover-se com indignidade
a favor da igualdade? talvez
mas de vez pela mudança
no mundinho pobre da esperança
não espere nada da felicidade
a raiva é que vai nos salvar
(levante ante o Leviatã)
entre um prédio e
outro um tédio e
outro prédio e
outro tédio e
um outro
rumo
entre uma praça e
outra uma graça e
outra praça e
outra graça e
uma outra
rima
Constelação faminta
Há de luzir
de lá as estrelas
todas
A deusa nua
banha-se amoral
em pleno esgoto a céu
aberto chafariz sem anjos
Um punhado maltrapilho
come um punhado dado
graças à graça
do olhar de desgraça
sob o desgraçado
A estação é sempre
a mesma
seca fria suja
sem luz
sem esperança
Criança sem casa
não cria asas
tem perna torta
e bate palmas
de porta em porta
Um homem sobe
o viaduto
O carro sobe
o viaduto
A velha sobe
o viaduto
O progresso sobe
o viaduto
O viaduto sobe viaduto
O adulto via
viaduto
sobe
mas não alcança o céu