André Braga

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Domingo, 25 de Julho de 2010

Recenseando

 

O Brasil é feito de vidas

Mas há Brasis que são feitos de morte

Severina se apresenta para os sem-sorte

Que pelas barrigas ocas foram paridas

 

Juliano marcou o tempo a gosto

E hoje ele é referência

De porta em porta a diligência

Fará o trabalho disposto:

 

“Bom dia minha Senhora,

Vim depois da aurora

Para não lhe causar incomodo”

 

“Que nada meu filho

Já acordo ralando milho

Entre, deixe de modo”

 

“Não precisa, muito obrigado

Já me contenta o bom trato

Eu pergunto daqui e tu dizes daí

Assim é rápido, que nem asa de bem-te-vi”

 

“Então pergunte, qual é o quesito

Dita daí, que daqui lhe dito”

 

“É pouca coisa: sobre a vida

O pão, o fogão, sobre a lida”

 

“É, filho, então é pouco mesmo

Como pode vê, tenho muito não:

Ali é minha maloca

A luz é de lampião

A horta é de mandioca

Que me dá tapioca

Mas o solo não é meu não,

A água é de poço

O banheiro é um fosso

Tenho só uma muda de roupa

Um galo que não cacareja

Há tempo não vejo garoupa

E sou mulher Sertaneja”

 

“E com a Senhora, mora mais alguém?”

 

“Não meu filho, ninguém

Meu marido a muito faleceu

Minha filha, que era moça direita

Se imbestô com Irineu

Aquele, que só desrespeita

E ela com ele desapareceu

Me fez essa desfeita

E agora, entre o céu e o chão

Tá por ai nesse mundão”

 

“E qual é a sua renda?”

 

 “Renda? Só se for de linho!

Às vezes me ajuda o vizinho

E me da um punhadinho.

Comida quem me põe na boca

É a mãe natureza, que pare da terra

E quando a estação encerra

Pra mesa me volta a dureza...”

 

“Minha Senhora, já acabei!

Viu, seu tempo não tomei,

Agora, assine aqui para mim”

 

“Assino... se soubesse

Mas não sei fazer isso não

Do nome só faço rabisco

De ensino o povo padece”

 

E o recenseador agradeceu e saiu

Contou mais um, mais cem, mais mil

Nesse país gigante. E logo a diante

Parou e refletiu:

 

“Conto, conto, conto...

E continuo sem um conto.

Já to tonto de ir em tanto canto

E contar que conto para que o montante

Possam dividir em proporção igual

Apesar de admitir que está muito desigual.

Espero que não tratem o resultado

Que para conseguir foi custoso e suado

Não o apliquem de forma banal

E que toda essa situação alguém reveja

Pois quero ver a Senhora Sertaneja

Pelo menos, com uma muda no varal”

 

(De dez em dez as galinhas enchem seu papo)

Clique no assunto: , , ,
Publicado por AB Poeta às 02:57
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78 comentários:
De fabiana a 29 de Julho de 2010 às 20:18
oiii, nossa muito legal.Voce tem o dom!!!
De AB Poeta a 29 de Julho de 2010 às 21:20
Vlw Fabiana, pelo comentário!

bj
De Shirley a 30 de Julho de 2010 às 00:43
PARABÉNS Andre, também vou resenciar em São Paulo, faz um outro poema se referindo aquelas pessoas ignorante, que eu sei que vão dar com a porta na nossa cara...
De AB Poeta a 30 de Julho de 2010 às 13:35
Olá Shirley, não se preocupe quanto a portas na cara, trabalhei no censo em 2000 e não tive esse tipo de problema, fui atendido por todas as pessoas. Se o censo for bem divulgado pela mídia, não teremos esse tipo de problema.

Vlw pelo comentário!

Bj
De Milona a 30 de Julho de 2010 às 20:02
Parabéns... curti mto!!!
De AB Poeta a 31 de Julho de 2010 às 00:28
Vlw Milona, obrigado pelo comentário!

Bj
De Andre luiz a 31 de Julho de 2010 às 03:13
Um dos melhores textos q ja li .Vejo muito de Joao Cabral de Melo Neto no seu texto.Me identifica porque faz parte da minha area de estudo predileto.Te dou o parabens pelo seu trabalho.e saiba que o brasil precisa de pessoas como vc.nao so pra podermos valorizar vc(nossa obrigaçao) mas para vc poder valorizar ELE( o brasil) ,a essencia brasileira ta morrendo porque a verdade muitas vezes esta mascarada.E quem assume o risco de retirar a mascara? ate agora conheço poucos ,mas nunca vi ninguem.acredito q existam .mas sinceramente nao sei.Aprendi que umas das melhores formas de protestar e Ser o melhor possivel em todas as nossas responsabilidades,se agirmos assim sera desnecessario ir as ruas pq nosso exemplo falara,gritara,exigira mais alto do que qualquer palavra proferida.a
Andre Luiz Recife
De AB Poeta a 31 de Julho de 2010 às 15:05
Cara... muito obrigado pelas palavras, principalmente com a me comparar a João Cabral de Mela Neto, apesar de admitir que estou bem longe de seu talento ainda.

Mais uma vez: obrigado!

Abrçs
De Fellipe Tavares a 3 de Agosto de 2010 às 14:41
caraca, mui bom!
gostei mesmo.......

vou viajar aqui pelo seu blog já =)
boa sorte recenseadores, vamos ver mil realidades
De AB Poeta a 3 de Agosto de 2010 às 14:53
Vlw brother pelo comentário!

Abrçss
De Maui a 7 de Agosto de 2010 às 15:25
Que sensibilidade! Sou ACM, e vou repassar esse poema pro meu pessoal, citando a fonte, é claro. Parabéns!
De AB Poeta a 7 de Agosto de 2010 às 22:24
Opá! Repasse por favor, sou muito grato!

Lançei um livro recentimente
http://poemaserrados.blogspot.com

Obrigado por ajudar a divulgar minha poesia!

Vlw!
De carol a 8 de Agosto de 2010 às 00:00
muito lindooo.. parabens!1
De AB Poeta a 8 de Agosto de 2010 às 02:44
Vlw Carol, pelo comentário!

Bj
De Lucas recenseador em Paranaíba-MS a 8 de Agosto de 2010 às 00:38
parabens.. ficou mt bonito
vc tem futuro
De AB Poeta a 8 de Agosto de 2010 às 02:45
Vlw Lucas!

Tenho um livro lançado, da uma olhada depois
http://poemaserrados.blogspot.com

Abrçss
De Jeanine Soler a 8 de Agosto de 2010 às 02:29
André, parabéns!!! Show de bola meeeesmo!!! Que essa sua sensibilidade permaneça para que vc possa por no papel a triste realidade do nosso país e quem sabe um dia isso possa fazer a diferença na vida dessas criaturas tão sofridas.
De AB Poeta a 8 de Agosto de 2010 às 02:48
Jeanine, obrigado pelo comentário!

bjos
De Anónimo a 8 de Agosto de 2010 às 03:12
muito bom! retratou meu setor censitário!
De AB Poeta a 8 de Agosto de 2010 às 03:23
Vlw brother, pelo comentário!

Abrçss

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