"nós somos muito mais o que os outros acham que somos, do que aquilo que pensamos ser"
Bruna Nehring
Dizem que a vida imita a arte... ou é a arte que imita a vida? Dizem... Ou será que vida e arte são coisas que se completam, contemplam-se e fundem-se, paralelas que passam a infinidade se cruzando, imitando-se? Vida, arte e teatro: sinônimos, não legalizados pela burocrática língua.
Acordo Eu, levanto filho, embarco passageiro, caminho transeunte, atravesso na faixa, sigo colaborador, atento estudante, pai, amigo, irmão, namorado, ator social que protagoniza e coadjuva ao mesmo tempo diversos papéis ao lado duma infinidade de outros. Genuflexório mudo atento me faz cristão. No carnaval, desfilando entre outros tantos outros, sou pierrô pagão. Tributo pago no balcão, duplicata em caixa, sou cidadão. Jungnianas personas que eclodem em meio a pensativos monólogos shakespearianos, sou pessoa, sou-me. Frente ao machadiano espelho, só, sou ninguém. Nada. Meu teatro é a vida encenada sem ensaio, sem roteiro, sem frases prontas e, pior, sem deixas, sem saber a hora certa de entrar em cena. Subjetivado réu, frente à platéia social, sou muitos, entre culpado e inocente.
O teatro é o oxigênio. É o oxigênio contido na água. É o oxigênio contido na água contida no aquário. É o oxigênio contido na água contida no aquário onde vive o peixe, que é dourado. É o oxigênio da água que mantém o dourado peixe vivo. O peixe vivo que vive no seu aquário-palco uma representação de ser: ser peixe dourado de estimação. O estimado peixe-ator, que desfila dourado em seu palco-aquário, repleto de pedrinhas coloridas e outros objetos de cena, representando para outro ser, enche de alegria e sentido a tola existência tediosa cotidiana de seu dono-platéia. Cercado de água contida de oxigênio-teatro, respira, alimenta-se, vive e representa o peixe-ator, dando sentido a feliz razão de ser ao seu dono-platéia, contemplando-o, com a arte de ser dourado.
O teatro é a mentira ensaiada. É a mentira que não fere. É a mentira gostosa de se ver e viver. E viver uma mentira que se gosta é viver uma verdade. O teatro é a verdade, que não passa de uma mentira ensaiada. Mentira que não fere. Que é gostosa de se ver e viver, porque ver e viver a verdade é bom, faz bem.
O teatro-vida é complicado. O choro sem ensaio dói. É um choro que punge verdadeiro, e que às vezes torcemos para que essa verdade seja uma mentira ensaiada. A mentira sem ensaio dói, fere. No teatro-vida, os aplausos são minguados, há mais apupos que tudo, decorrentes de sentimentos esmigalhados e poluídos no dia-a-dia pela ausência de amor... e ausência essa que, na maioria das vezes, erroneamente, é preenchida de matéria. As vezes é preciso deixar o teatro-vida de lado, descer do palco-mundo, despir-se do ator social que somos e sentar-se junto a platéia do teatro-arte, deixar o sonho fluir com a mentira ensaiada, cheia de calorosa verdade verdadeira, que transforma o choro-verdade que fere, em riso alegre que acolhe, meio a real sensação coletiva de felicidade. Na platéia do teatro-arte todos atuam com o papel de olhar e sentir. E eu, ator social destituído, quando desço do palco-mundo para ver atento o teatro-arte, que não só imita a vida, mas vai além dela, sinto uma alegria transcendente, que transborda o ser, e torço para que meu teatro-vida caminhe no mesmo sentido verdadeiro da representação que não fere. Vivendo esse coletivo momento feliz, farei de tudo para que no decorrer da minha peça, atuada no palco-mundo do teatro-vida, conquiste o doce beijo molhado infinito da suave e aveludada feminina boca desejada. E após o ato final, ao fecharem-se as cortinas e as luzes se acenderem, e ascenderem-me, eu receba e sinta os calorosos, acolhedores e recompensadores aplausos da platéia.

Texto publicado no blog Teatraria e no site do Itaú Cultural.
De
AB Poeta a 12 de Junho de 2009 às 15:59
Nossa Bruna! Não esperava que meu texto causasse tanto impacto assim!
Fiz esse texto para um fórum de um blog dum curso de teatro que eu estava fazendo, mas acabei saindo, pois preferi me dedicar a escrita. Inclusive estou tentando escrever outro texto para eles. Estou participando indiretamente.
Bem, vamos ao comentário:
Primeiro: muito obrigado por toda a sua atenção aos meus textos, me sinto lisonjeado!
Segundo: não diga mais isto – não sou ninguém – você é uma PESSOA (senhora é denominação social, para mim todos são pessoas) que está atrás do que quer, não sei o que é, mais se não está em casa tricotando (como todas as senhoras socialmente assumidas) é porque está atrás de algo. Acho que você não caiu na armadilha que todos acreditam sobre o que é envelhecer: aposentar, cuidar dos netos (talvez um asilo) e... e... O que vem depois? Ninguém sabe.
O tempo é irônico, pensa comigo: idade medieval, iluminismo, revolução francesa, Charles Darwin, revolução industrial, capitalismo X comunismo, guerras (quentes e frias), tecnologia, avanços, expectativa de vida... A velhice é algo novo. Todos ficarão velhos, mas o que se aprende sobre a velhice? Absolutamente nada! Aprendemos só que temos que aposentar, depois disso... nada. Olha, quando você ver alguém dizendo que não vai aposentar, pois não quer parar de trabalhar, xiiiiii, coitado, esse nem tem a idéia de que pode começar a escrever, ler, fazer algum trabalho voluntário, cursos... ou sei la o que, algo do gênero. Esse ai já era, vai envelhecer antes de tudo.
Acho que você esta vivendo uma nova era para as pessoas da sua idade. Os denomidados idosos ainda não se descobriram.
Frustrações? Quem é que não tem, independente da idade. Segundo Freud nossas frustrações começam depois da fase oral da criança, então, dês dos dois anos de idade vivemos numa sociedade 100% frustrada! Olha só, você não está sozinha!
Terceiro: A introdução do texto (O teatro e a vida) parece clichê porque realmente é clichê! Mas quis começar assim porque essa é a grande pergunta quando a arte e a vida são comparadas. Fora que nem todos os meus leitores (se é que tenho algum) são letrados assim como você. Entendi sua critica, mas vou mante-lo assim.
Sua citação vou colocar no meu blog, pois não sei se esse texto (ou qualquer outro) vai ser um dia publicado. E se for, com toda certeza sua citação vai ser a frase de abertura! Não é nenhuma falta de modéstia, sua frase tem tudo a ver.
Quarto: erros de português? Bruna hoje tenho 34 anos, sempre fui um péssimo aluno no ensino fundamental, e colegial, fui ter o habito de ler com 28 e a mania de escrever, graças a uma abençoada (e linda) professora da faculdade, a um ano, acho. Como o Fernando diz, existe revisor é para isso. Se fosse assim todos os professores de Português seriam ótimos escritores. E na nossa turma, de 24 alunos, só tem um que é professor de português. Isso com o tempo a gente aprende.
E por último: claro que você pode ler meu texto no seu curso, pode lê-lo onde você quiser! Alias, como não acredito na velhice, não compro essa idéia, acho que você, além de ler o meu texto em sala ou em qualquer outro lugar, você pode tudo!
Bjo
Até sábado.
De Bruna Nehring a 12 de Junho de 2009 às 16:01
Oi André! nossa digo eu: tantos elogios ao "achado " de minha vida: envelhecer conscientemente. Pois não tenho grandes muros de apoio a não ser minha cabeça que sustenta meus ombros que erguem minha espinha dorsal, que me mantém de pé, que me alimenta todo dia completando minhas proteínas....publique meu e-mail no seu blog: você merece que muitas outras pessoas descubram você da forma que uma pessoa de muita vida conseguiu enxergar. Estou feliz que você queira manter seu texto apesar de minha tesoura. Na verdade eu havia pensado que seu texto começaria assim:
O TEATRO E A VIDA
Vida, arte e teatro: sinónimos não legalizados
pela língua burocrática.
Acordo Eu, levando......
É que estou cada vez mais sucinta...
Pelo que se refere aos "revisores", tenho xerocado "pérolas" impressas em livros publicados....."pérolas" que eu não procuro mas saltam aos meus olhos por "culpa" dos oito anos de latim que tenho nas costas...e nem por isso, como você sou letrada. Bobagem sua.
Li os dois textos que você me mandou,rapidamente demais, pois hoje de manhã tenho alguns afazeres inadiáveis. (poesia não é minha praia, e a prosa pareceu-me um tanto rebuscada) Mas prometo dedicar-me mais tarde ou, talvés, domingo...
Obrigada por permitir-me ler seu texto terça feira à noite no escrevivendo máscaras...depois eu conto a reação.
Abraços, até sábado Bruna
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