Será que a educação tem preço? A educação acadêmica, essa tem, e não custa pouco. Hoje todos sabem que educar o filho numa escola do estado é uma tarefa dificílima. Descaso do governo, professores despreparados, infra-estrutura precária, algumas com merenda outras não, à distância de casa, violência, drogas lícitas e ilícitas... uma série de problemas sociais que depreciam o valor que é educar-se. Hoje não se valoriza mais o estudo em si, só tirar o diploma já ta valendo. Para nossos adolescentes, jovens, adultos jovens, o que vale mesmo é ter um calçado da moda, uma camisa descolada, uma “correntona” no pescoço, uma “caranga” potente, uma motoca, qualquer coisa que faça com que o outro enxergue nele um valor econômico (status), que mostre que ele tenha um potencial financeiro. Econômico e poder, poder e possibilidade... palavras que caminham juntas nessa distorção de valores da nossa atual sociedade capitalista.
A maioria das pessoas concordam com uma coisa: educação vem de berço, começa dentro de casa. Você pode ter dois jovens em situações financeiras bem diferentes, mas ambos bem educados; ou pode ter um pobre educado e um riquinho sem educação, ou um rico educado e um pobre não... O que conta mesmo são os valores morais ensinados pelos familiares. Meu pai me ensinou uma coisa que carrego comigo e procuro passar à frente, com muito orgulho: nunca faça um favor esperando outro em troca. Faça porque você quer fazer. Porque é bom fazer! Num mundo capitalista e interesseiro, como o nosso, esse pensamento hoje é quase que “coisa de monge”. A grande maioria faz um favor já pensando na possibilidade de pedir algo em troca. E esse ensinamento paterno que eu tive, tem um que de filosófico. Quando você faz um favor à alguém você pratica (acredito eu) uma boa ação junto ao próximo. E quando você o faz sem esperar nada em troca, nunca há a decepção da não retribuição. O primeiro passo para decepcionar-se com alguém é esperar, logo após lhe fazer um favor, que essa lhe retribua um outro. Favor e esperança podem resultar numa mistura amarga, desgosta. É preferível trata-las de forma heterogênea. (Dica de leitura: A Felicidade Desesperadamente – André Comte Sponville)
Transporte público é um lugar complicado. Hoje a intolerância das pessoas é algo visível. Ninguém tem mais paciência para nada. Qualquer esbarrão num coletivo já é motivo pra cara feia. Uma coisa que me irrita muito, são aquelas pessoas que colocam uma gigantesca mochila nas costas e ficam paradas no corredor como se fossem as únicas a habitarem a joça do ônibus! Tem uma galerinha que não tem noção nenhuma de espaço físico, de viver em coletividade. Isso é puro reflexo do padrão individualista que estamos vivendo, que estamos moldando e alimentando cada vez mais. Aconteceu uma coisa outro dia que, num primeiro momento, me deixou feliz, mas depois parei para pensar e vi que realmente os valores estão distorcidos. Estava eu dentro do bom, companheiro inseparável, e velho “bumba” (ônibus) – Pça João Mendes – dirigindo-me do trabalho para a faculdade. Sentei no melhor local que existe para se ir lendo: aquele banco de um lugar só, antes da catraca; ali ninguém me incomodaria com cotoveladas, bolsas enormes, som no último... Sentei e já saquei o livreto! Alguns pontos mais a frente subiu uma mulher puxando pela mão sua filhinha, deveria ter uns quatro ou cinco anos a menina, a mãe parou e fitou o fundo do ônibus tentando ver se havia algum lugar desocupado. Sem ter nenhum acento livre, ficou parada ao meu lado, segurando a pequenina pela mão. Eu, com o que acredito que seja o mínimo de educação, levantei e ofereci meu lugar para sentarem-se. Olhou mais uma vez a procura de uma vaga, e acabou aceitando a oferta. Fui em pé, na boa, ouvindo meu mp3 (perigo: sintoma individualista), viajando em meio aos meus devaneios psicopatológicos humanos cotidianos de sempre. E seguiu-se o destino. Chegou num determinado ponto do caminho, ela levantou-se, nitidamente havia chegado o local onde desceria, mas antes veio em minha direção e , de forma grata, disse – muito obrigada por me deixar sentar em seu lugar... olha, eu deixei sua passagem paga... muito obrigada! – fiquei meio sem entender, mas muito agradecido, falei que não era preciso e tudo mais. Logo à frente o coletivo parou e elas desceram. Agora vamos tentar entender o que aconteceu: uma mãe com sua filha sobe num ônibus e, vendo que não há lugares vagos, um rapaz sede o seu a elas. A mãe fica agradecida, e como forma de retribuir a gentileza, paga à passagem do cavalheiro. Com toda certeza ela ficou muito sensibilizada com aquele gesto, mas chegar a pagar a minha passagem... Da para perceber que gentileza, cavalheirismo e, principalmente, educação, estão virando práticas raras de se ver. Se todas as vezes que alguém agir com educação (ou com honestidade) tivermos que retribuir de maneira financeira, como se gentileza fosse um ato digno de premiação, putz, ai já era, os valores humanos foram para o brejo. Claro que aquela mulher tomou essa atitude de coração, fez por gratidão, mas ai é que mora o perigo: ela sentiu-se na obrigação de retribuir, e retribuir não é obrigação, obrigação é agir com compaixão, ser empático e, no mínimo, educado com o outro (acredito eu).
Depois disso tudo, continuei minha viagem durante a viagem, até que, eis que, surge a personagem final: o cobrador! Depois que a senhora desceu, o indivíduo olhou para mim com uma cara tipo “se deu bem nessa em”, respondi com um gesto qualquer com a cabeça e voltei minha atenção à paisagem lá fora, tomada audivelmente pela minha trilha sonora de bolso. Bem, chagava próxima a minha hora de desembarcar, então fui passar a catraca. O cobrador não olhava para mim, ou fingia que não me via, sei lá, se fez de loco... Falei para ele – por favor, passa o bilhete, a moça deixou minha passagem paga, não deixou? – ai veio o inesperado, responde ele – já sim, mas passa o seu ai, passa seu bilhete ai – caraca! Não acreditei na insinuação do cara. Ele queria se dar bem nessa! Queria ficar com os exorbitantes dois reais e trinta centavos que a mulher deixou. Ta certo que cada um tem a sua realidade, e que essa quantia tem um peso em cada bolso, mas pela cara dele... não era um necessitado, e sim um praticante inveterado da lei de Gerson.
Educar não custa caro: para educar alguém basta dar carinho, atenção, afeto, amor, dedicar tempo a esse, coisas assim, nessa linha, que não custam dinheiro, mas que também, nessa nossa sociedade capitalista, do jeitinho brasileiro, do se dar bem a qualquer custo, do ascender social, essas coisas não valem nada. Ta na hora de para pra pensar: Qual é o valor da educação?
"Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?"
Gerson, o "canhotinha de ouro", jogador de futebol campeão do mundo com a fantástica seleção de 70. O atleta foi garoto propaganda dos Cigarros Vila Rica (1976), onde proferia a celebre frase acima, que se tornou pilar da Lei de Gerson.