Roberto
Parecia que a semana não passava. A sexta feira é o último, mas também o pior dos dias; as horas se arrastavam cada vez mais “lesmamente”... E sábado era o dia derradeiro. Passou a semana inteira trocando mensagens, e-mails, telefonemas, com sua pretendente. O tempo, lento, castigava, pesava como uma cruz.
Roberto, apesar de ter o costume de não fixar paradeiro, sempre foi um cara romântico. Talvez a origem de seu nome tenha alguma relação com essa característica pessoal: seus pais, fãs de Roberto Carlos, lhe deram esse nome como forma de homenagem ao Rei da Jovem Guarda.
Chegou o sábado, e Roberto acordou bem cedo, o que não era de seu costume. Precisava preparar a cena, sabia que a primeira impressão é a que marca, é a que fica, e queria que o que acontecesse naquela noite não fosse algo fugaz, e sim que se iniciasse uma longa relação.
Foi ao mercado com uma lista de ingredientes, afim para preparar um Fondue de chocolate. Rita adora chocolates. Mas ele não parou por ai, comprou uma série de velas de diversos formatos, cores e aromas, e alguns incensos. Comprou também uma boa variedade de frutas; cores, aromas, sabores variados, seriam imprescindíveis na arte da conquista.
Chegando em casa, teve seu dia de Amélia: empurrou os móveis para os cantos, tirou tudo que estava na estante e a faxina “comeu solta”!
Passado o trabalho laborioso doméstico, começou a preparar o ambiente para a tão esperada noite. Espalhou as velas aromatizadas e coloridas pela casa, colocou os incensos em pontos estratégicos (sala, corredor, quarto... vai que róla né), preparou o conjunto culinário na mesa de centro da sala, dispôs as frutas, geometricamente picadas, ao redor. Deixou duas macias almofadas para serem utilizadas como assentos, e colocou os CDs a postos para servirem aos ouvidos no momento necessário.
O horário combinado foi o das 20:30hs. Horas antes Roberto dedicou tempo na escolha da roupa, e acabou não arriscando muito: vestiu jeans, uma camisa social branca, posta por fora da calça, com as mangas levemente arriadas, e um lustroso sapato caqui. O perfume, passou o mais suave, assim como a loção pós barba. No banho usou sabonete pompom - Desses ai, que se banha bebê - queria realmente sensibilizá-la, e não se intimidou para isso.
Tudo pronto, agora só faltava o principal: ela!
Rita
Há tampos Rita não conhecia alguém interessante. O teor das mensagens trocadas durante a infinita semana deixou-a empolgada, ansiosa, talvez agora ela conseguisse se firmar num relacionamento, quem sabe... Passou a semana inteira achando o que poderia acontecer. Poderia ser somente mais um encontro, mas preferiu não dar bola para o pessimismo. Situações hipotéticas, pensou somente nas melhores, no que de bom poderia, e haveria, de acontecer. Rita é nome santo. Sua mãe é devota de Sta. Rita de Cássia, e ela acredita que sua chará não há abandonará num momento como esse. A devota vela, essa, já acendera bem antes.
Amanheceu o sábado, Rita pulou da cama entusiasmada. Sempre acorda cedo aos sábados, mas esse teve um motivo a mais para tal agilidade. Cuidou rápido dos afazeres domésticos, precisava do máximo de tempo livre, queria dedicar-se a si o resto do dia. Queria ficar maravilhosa para a noite.
Rita presenteou-se com um dia de princesa, tipo destes, exibidos em dominicais programas: foi à manicure, pedicure, cabeleleiro, fez limpeza de pele, depilação... Não poupou esforços para ficar belíssima.
Chegando em casa, após a maratona de cuidados, fez uma leve e breve refeição. Banhou-se e dedicou os mementos antes do encontro à escolha da vestimenta adequada para tal ocasião. Diante das opções, escolheu um vestido preto, a altura dos joelhos, desses que deixam as costas amostra. Lingerie, só a debaixo, os seios, deixou-os à vontade, usando e abusando da jovialidade. Sapatos, brincos, pulseiras e colar, todos cromaticamente combinando, nada de nada escandaloso. Nunca carregava na maquilagem, e não seria hoje que tomaria atípica atitude. Tinha um rosto alvo e meigo, de uma delicadeza singular, e os longos cabelos negros e lisos, emolduravam-no. O creme, que lhe correu por todo corpo logo após o banho, ressaltava a suavidade de sua pele, deixando-a com um aroma adocicado... Doce, assim era o jeito de ser de Rita.
Marketing Sensorial
Roberto pegou-se rindo só. Estava sentado no sofá de fronte ao relógio, impaciente, acompanhando a trajetória circular do magrelo ponteiro. Parecia-lhe que nunca havia feito isso antes e, sabe-se lá o por que, gostava daquela sensação. Tirou o carro da garagem (o carro passou horas no lava-rápido) e partiu para busca-la. Saiu bem antes do horário combinado, qualquer imprevisto poderia colocar tudo a perder, e aquela noite, imprevisto, nem em pensamento.
Chegou no endereço, que estava rabiscado num papelzinho, estacionou num ponto onde seria possível vê-la saindo de casa. Tirou do bolso o celular e ligou dizendo que já estava esperando-a na porta. Rita atendeu e ficou impressionada pela pontualidade... Alias, pelo horário: Roberto chegou vinte minutos adiantado; e o que também a surpreendeu é que ela também estava prontinha, aguardando a chegada do rapaz.
Quando Rita saiu pelo portão, Roberto simplesmente arrepiou-se, levou uma súbita injeção de adrenalina, olhava-a maravilhado... Estava lindíssima. Parecia até mentira: ela era um ideal personificado. Seus olhares logo se cruzaram, e Roberto acompanhou sua leve passada com um sorriso quase que infantil. Os saltos altos nem faziam barulho. Não havia nenhum ruído poluindo aquela visão... Rita levitava em sua direção. Com uma agilidade olímpica, saiu do carro e abriu a porta para a mocinha, que, logo após um beijo no rosto, respondeu com um sorridente “muito obrigada”.
Rita não acreditava: ele estava usando seu perfume preferido! Já gostava de homem gentil, e gentil, cheiroso e bem vestido então... Pensou: alma gêmea? Não... Será?
No caminho para casa de Roberto, foram conversando sobre coisas sem tanta importância, ou até sem importância alguma. O legal disso era que mal perceberam a presença da música, ou do locutor falando sobre sei lá o que, de tão interessante que era prestar atenção, reciprocamente, nas coisas sem importância que um dizia ao outro.
Chegaram no local, Roberto desceu primeiro e, mais uma vez, abriu a porta para sua dama – gentileza nunca é de mais, segundo seu bê-á-bá do romantismo – e, estendendo a mão direita, ajudou-a a sair do carro. Rita era só sorriso... Um maravilhoso sorriso.
Roberto abriu o portão, cruzaram o quintal, chegaram num pequeno hall de entrada, onde pediu para que aguardasse um segundinho de nada, ia fazer os preparativos finais, pois queria que Rita adentrasse já com tudo conforme manda o figurino. Acendeu as velas, pôs o Fondue e as frutas sobre a pequena e íntima mesa, deu uma última ajeitada nas serviçais almofadas, que já estavam prontas a recebe-los, soltou a leve música... Pode entrar – disse sorridente. Rita respondeu com uma expressão de profunda alegria, não teve palavras. Ao ver o cenário pronto, Rita foi tomada por uma repentina emoção, que lhe pôs lágrimas aos olhos e elogios nos brilhosos e úmidos lábios – nossa... que lindo, está maravilhoso! – exclamou.
Rita e Roberto passaram horas conversando, regando palavras e gestos ao sabor do vinho. Suas risadas bailavam pelo ar, confundindo-se, qual risada partia de quem, e, ao mesmo tempo, entendendo-se mutuamente. Uníssonas. O aparelho de som, que observava feliz a tudo, deu a deixa para o casal e cantou – “I’ve been really tryin’, baby, Tryin' to hold back this feelin' for so long... let’s get it on…” – Marvin Gaye pré-anunciava o início. Roberto levantou-se, pegou na mão de Rita, que instintivamente o seguiu, sem dizer nada, só olhares. Dançaram... Colaram-se... Olharam-se... Beijaram-se...
O beijo marcou o início de uma relação longa, intensa e fiel.
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