André Braga

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Quinta-feira, 28 de Agosto de 2008

Entrevista - Manoel

São nove horas da manhã do dia vinte do quinto mês, dirijo-me até sua residência, conforme havíamos combinado no dia anterior, por telefone, eu poderia a qualquer hora entrevistá-lo. Preferi pela manhã, pois sabia que estava trabalhando em mais uma obra - sua obra - então nada mais justo do que não incomodá-lo muito e realizar logo este trabalho.
Manoel, um senhor de sessenta e cinco anos, casado, quatro filhos, um neto e em plena atividade profissional. Fui recebido em sua casa, que me mostrou com orgulho, pois trabalhava em sua mais nova obra: O Sobrado; os tetos dos seis cômodos estavam no chão, e logo receberão uma laje e mais cômodos sobre ela, e, quem sabe, mais uma laje. Um sobradinho de três lugares, no fundo da casa, acomoda a família, que atualmente são em quatro. A filha casada mudou-se para Salvador, por motivos profissionais do marido, e levou junto o irmão mais novo, recém saído da faculdade, e que estava desempregado. Os dois, irmão e marido, trabalham na mesma empresa, que é do ramo das telecomunicações.
Aos dezoito anos, em 1961, Manoel desembarca em São Paulo, vindo de Pernambuco, numa cansativa viagem de ônibus que durou onze dias. Um comentário seu dá uma idéia do que foi essa “odisséia”: “...só vim conhecer asfalto em São Paulo. Antes, estrada, só de terra”. Em sua terra natal trabalhava na roça, com a família, como a maioria dos migrantes. Chegou sem emprego, com a cara e a coragem saiu em busca, já que estava na “terra das oportunidades”. Seu primeiro emprego formal foi numa construtora civil (o que explica sua atual função), onde ficou por três anos. Trabalhou em mais duas construtoras, numa por dez meses e noutra por três. Não disse o motivo de sua saída, de nenhuma delas.

Iniciou a vida acadêmica em Pernambuco, mas veio terminar, o que chama de “primário antigo” (que, na época, durava quatro anos), em São Paulo, pelo SESI (Serviço Social da Industria), em 1965/66. Em 1967 trabalhou na prefeitura de São Paulo como segurança, mas, nessa época já com três filhas, o baixo salário o fez desistir do funcionalismo público; ”...não sobrava dinheiro para nada. Nem pra uma camisa. Ou cumia ou vistia.”, disse. Mesmo assim ficou nesse emprego até 1976. Ao sair, quando entregou sua carta de demissão, ninguém acreditou, disseram-no que estava ficando “louco”. Mesmo assim foi firme em sua decisão.

O funcionalismo público, no Brasil, sempre foi visto com “bons olhos” (acho que o mais cabível seria “olhos grandes”), já que ninguém nunca é demitido; situação que é muito cômoda.

Sem emprego, e já com mais um filho a caminho, abriu uma empresa – 1977 - tendo o cunhado como sócio. Trabalhavam no ramo da construção civil, mas não deu muito certo. Três anos depois a empresa foi fechada. Partiu então para a vida autônoma, junto com irmão. Começaram a trabalhar como “pedreiro” (nome dado ao trabalhador da construção civil), oferecendo seus serviços a pessoas conhecidas, o que deu mais que certo! Não tinha uma região especifica de trabalho, aceitava todos que dessem um bom retorno financeiro. Até em outra cidade, caso fosse rentável. O que mais me chamou a atenção foi a resposta dada quando questionado sobre a capitação dos clientes (sempre pessoa física): “...nunca bati em nenhuma porta. Sempre fui procurado pelas pessoas.”. Realmente a melhor publicidade ainda é o “boca-a-boca”.

Sua média salarial depende muito da quantidade e do “tamanho” do serviço que aparece, mas mesmo assim disse que é entre um a dois mil reais/mês.

Sempre trabalhou da seguinte forma: vai até o local e faz uma avaliação, dá o preço da mão-de-obra e um prazo mais ou menos de quando fica pronto, pois sempre há imprevistos, tipo: o tempo (chuvas), quando o material acaba, etc... Sempre indica os fornecedores, mas a escolha final fica a cargo do contratante. Nunca foi assediado por nenhum fornecedor, os indicados por ele são conhecidos de muito tempo.

A concorrência também é muito grande nesse segmento. Muitas vezes é questionado o “por que” do preço, e ainda tem que ouvir que “fulano de tal” faz mais barato. Não se incomoda muito, muitas vezes acaba sendo o contratado, por já ter uma certa notoriedade. Isso gera confiança.

Hoje, está aposentado, pagou o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) por conta própria , e recebe em torno de dois salários mínimos/mês. Com a aposentadoria garantida, e todos os filhos formados e empregados, não “pega” muitos serviços como antes. Inclusive dispensou muitos por causa da construção que está realizando em sua casa.

Perguntei se estava satisfeito, respondeu com um sorriso leve e de maneira modesta: “é... da pra levar”. Terminei a entrevista, que durou cerca de meia hora, e ouvi um “já!” que saiu com certo espanto. Talvez ele tenha gostado de olhar para traz e ver a construção de sua história. Mas há verdade era que eu não queria mais incomodar um “artista” ansioso em ver a sua grande obra concluída.

 

* Entrevista realizada para fins acadêmicos em 20/05/08. A finalidade desse trabalho era traçar um perfil socio-econômico dos trabalhadores informais, nesse caso, os da construção civil, mais conhecidos como "pedreiros".

Publicado por AB Poeta às 18:23
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