Mais um dia dos namorados. Tinha tudo para ser um dia normal, ou, pelo menos, somente com a violência rotineira de sempre. É, ela hoje faz parte do cotidiano, infelizmente. Bem, tudo normal, menos para quem pegou, no dia doze de junho de 2000, o ônibus 174 (Central – Gávea) no Rio de Janeiro. Em frente ao Parque Laje, no tão famoso bairro do Jardim Botânico, Sandro Barbosa do Nascimento, ex-menino de rua (ex porque ele cresceu e virou jovem de rua, e não porque sua condição havia mudado) rendeu o ônibus, e o que era para ser “somente” um assalto, virou o famoso caso do Ônibus 174. Foram quatro horas de terror para os reféns, que ficaram na mira de Sandro, e quatro horas de um “Show de horrores”, regado com muito ibope, transmitido ao vivo em rede nacional. O caso acabou de forma mais que trágica. Duas mortes: uma professora, morta pela, mais que nítida, despreparada polícia. E Sandro, um jovem (ou melhor, mais um jovem) brasileiro miserável, morto pelo mesmo assassino: o despreparo, o descaso. Sandro: assaltante do ônibus, mas sem roubar nada; roubado. Assassino sem morte; morto.
No documentário, José Padilha disseca a vida de Sandro, desde sua infância, marcada pelo assassinato da mãe, as prisões por roubo, a chacina da Candelária, familiares, até o seu conturbado último dia. Fica nítido como a violência cresce de forma espiral, um círculo vicioso sem interrupção. O caso ficou muito marcado também pelo despreparo da polícia, que não tomou nenhuma atitude, conforme seus manuais, e pela omissão das autoridades políticas, que não queriam que um atirador explodisse a cabeça do assaltante diante das câmeras. Erraram. O fim foi bem pior. O interesse político reinou mais uma vez. Ninguém quer que sua gestão fique manchada com sangue, produzido por um disparo da polícia, espirrado da cabeça de um marginal. E tudo transmitido via satélite. Isso explica os depoimentos indignados dos policiais, já que treinam muito, mas na hora em que a teoria tem que ser aplicada, a omissão dos superiores os impedem. Dinheiro público gasto para nada. Talvez isso tenha inspirado o diretor a fazer o filme Tropa de Elite (2007).
Para quem quer reconstituir alguma história, assistir ao Ônibus 174 é fundamental. José Padilha, com olhar apurado, mostra como nasce, cresce e morre a violência, ajudada pelo despreparo policial e a negligência das autoridades políticas.
Assista: Ônibus 174 (Brasil, 2002) – Direção de José Padilha.